“As mutações do vírus são a maior preocupação com uma nova onda de Covid em Portugal”
Jornalista e consultor em comunicação, há dois anos morando com a família em Lisboa, César Rocha conta para Jornal do Sertão detalhes do agravamento da pandemia em Portugal, que está no limite do colapso do seu sistema de saúde. Sertanejo de Petrolina, em Pernambuco, tinha viagem marcada para compromissos profissionais e pessoais em Pernambuco e na Paraíba, mas teve que cancelar em razão de o governo português ter fechado suas fronteiras com o objetivo de conter o surto de contaminação no país. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Postado em 03/02/2021 2021 21:05 , Economia. Atualizado em 06/02/2021 22:31
Portugal surpreendeu o mundo com um novo lockdown. O que mudou na rotina de vocês?
Eu estava inclusive com tudo pronto para embarcar em direção a Recife, João Pessoa e Petrolina. Tinha compromissos profissionais e pretendia visitar meus pais, no Sertão. Mas Portugal e a Europa decidiram fechar suas fronteiras e restringir os voos unicamente ao essencial. Estamos numa nova onda do covid-19, a maior onda desde o início da pandemia, com lockdown decretado, confinados em casa, o comércio fechado, as crianças sem escola por 15 dias e as aulas só retornam dia 8, mas no modo ensino à distância.
O que essa nova onda se diferencia das primeiras, no ano passado?
O novo surto é brutal: 45% das mortes e dos casos registrados no país durante toda a pandemia aconteceram agora em janeiro deste ano. Se na fase mais dura da primeira fase de contaminações, em meados do ano passado, chegamos a ter mais de 30 mortos por dia, agora são mais de 300. Os hospitais estão sobrecarregados, mais de 10 mil profissionais de saúde contaminados, pacientes sendo transferidos para outros países, membros da União Europeia, como a Alemanha, enviando equipes de emergência e equipamentos para montar hospitais de campanha. Realmente preocupante para um país com tantos idoso e com dificuldades econômicas que já eram graves.
Mas Portugal vinha se saindo tão bem nos cuidados contra o coronavírus, por que isso está acontecendo?
Então. Em parte, dizem os especialistas, é culpa do governo, que, às vésperas da eleição presidencial, ocorrida em 24 de janeiro, relaxou nas restrições no final do ano e as pessoas se aglomeraram para celebrações de Natal e Réveillon. Houve muita discussão na época, porque setores da comunidade científica defendiam a manutenção das restrições de deslocamento entre cidades e regiões. Defendiam que as pessoas ficassem em casa, nos núcleos mais restritos das famílias. Mas ao final decidiu-se relaxar e permitir os deslocamentos e encontros. Nós mesmos viajamos.
E houve tanta aglomeração assim, ao ponto de causar um surto tão violento?
Não, a culpa maior é das novas cepas, as mutações do vírus, mais contagiosas e agora alcançando inclusive as crianças e os jovens com maior intensidade. São três cepas novas, segundo a classificação normalmente apresentada na imprensa. A inglesa, mais comum aqui em Lisboa, a sul-africana e a brasileira. A proliferação dessas cepas nos preocupam muito também em relação ao Brasil. Nós já tivemos um contágio muito grande até agora. Se vier uma onda como esta daqui, vai ficar muito difícil.
E como o governo está lidando com tudo isso?
Outras medidas duras devem ser adotadas nas próximas semanas e o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que foi reeleito, já fala em restrições fortes até meados do ano. Ou seja, mais cinco meses ou seis meses de aperto e limitações na mobilidade, pelo menos. E podem manter o aperto mesmo com o tsunami econômico que já levou à falência milhares de empresas. Vi esta semana um balanço do setor do turismo, certamente o mais atingido. Portugal perdeu quase 17 milhões de turistas em menos de um ano. Mas o que os governantes dizem que é isso, as restrições, ou a hipótese de 45 mil mortes até julho, se continuarmos nos níveis atuais.
E a vacinação, não está avançando?
Está sim, só que vacinar é uma operação complexa, que exige estrutura, organização, fiscalização e controle. Já há aqui também várias denúncias de casos de fura-fila, uma que inclusive provocou a demissão do chefe da força-tarefa montada só pra conduzir o processo de imunização. Independentemente disso, porém, o ritmo de vacinação não acompanha o ritmo de 10 mil contaminados por dia. Até agora Portugal vacinou 338 mil pessoas. Faltam mais 10 milhões. Acredito que a Europa vai fazer um esforço maior para acelerar o passo no continente todo.
JS Economia