
Fazer silêncio para escutar-se, relembrar e perdoar-se por Daniel Lima
Hoje Daniel fala da importância do silêncio para escutar-se, relembrar e perdoar-se e, diz: que aceitar o eu que nos tornamos significa reconciliação consigo mesmo.
Postado em 31/03/2021 2021 14:23 , Saúde. Atualizado em 31/03/2021 17:59
Daniel Lima – Teólogo, Filósofo e Psicanalista/GBPSF/ISFN. @daniellima.pe
Mesmo quando a vida nos reserva algo difícil nós podemos ser felizes, ainda que pontuada por momentos de tristeza tais momentos não anulam o estágio da paz. Aceitar o eu que nos tornamos significa reconciliação consigo mesmo e isso requer que aceitemos o fato de sermos ambivalentes. Em nós existe amor, mas também ódio, apesar de todas nossas aspirações morais e éticas, também temos agressividade, ira, ciúme, sentimentos depressivos covardia e medo. Se não enfrentarmos as sombras que nos habitam iremos projetá-las no outro. Então, por não estarmos em harmonia conosco e reconciliados com nossa própria história, também encontraremos dificuldades para nos reconciliar com o outro.
Perdoar não é fácil, porque quem perdoa não espera um retorno, ou seja, não pressupõe reciprocidade. Ao perdoarmos somos libertos do sentimento corrosivo de se achar injustiçado e às vezes somos libertos da auto piedade. Ainda que de fato tenhamos sido ofendidos não podemos nos aprisionar as dores vividas. O perdão é um exercício pouco praticado em nossos dias, talvez porque é algo tão profundo que é executado antes mesmo do ofensor se arrepender e chegar a nós pedindo perdão. Isto mesmo, antes que ele venha já está perdoado por nós e isso é dar ao outro a chance de nascer de novo na nossa própria história.
Cada um de nós traz as marcas da sua história. Uns perderam os pais muito cedo, outros, mesmo tendo os pais é ou era como se não tivesse-os. Há também aqueles que talvez tivessem um pai com comportamento instável devido ao consumo excessivo de álcool. Em outros casos a mãe não demonstrava afeto, acolhimento, ou era depressiva e não pôde dar a confiança que necessitávamos. Mulheres ou homens que quando crianças sofreram abusos sexuais. Estas e outras situações que não foram ditas aqui, geram traumas difíceis de serem superados, levando muitos a se submeterem a psicoterapia para poder dar conta dos sofrimentos. Então, surge a pergunta: Será que feridas assim podem ser curadas? Sim, toda ferida pode ser curada!
Quando fazemos silêncio é possível nos escutar e quando nos escutamos muitas coisas podemos relembrar. Esse processo pode ser bem difícil, pois temos que nos permitir sentir novamente a dor que o outro nos causou e aceitar aquela raiva que sentimos diante das palavras reprimidas que nos feriram. Porém, este movimento nos liberta do domínio do outro, pois internamente estamos ligados a ele enquanto não lhe oferecemos o perdão. Algumas pessoas nunca se curam por não conseguirem, ou não quererem perdoar àquele que as feriu, optando serem consumidas pelo ódio, angústia ou constante lamento da vida que tiveram. Perdoar não é uma exigência, mas sim a nossa libertação.
É certo que não nascemos prontos e estamos sendo formados, moldados, nos refazendo no decorrer da existência. Todos nós enquanto seres humanos, precisamos de uma família para desenvolvermos de maneira plena as nossas competências emocionais, cognitivas e motoras. Socialmente falando, a família é o núcleo sobre a qual a sociedade se desenvolve, por isto quanto mais saudável for, melhores serão os sujeitos que possibilitarão a construção de um ambiente social mais inclusivo, harmonioso e acolhedor. Contudo, não podemos negar que famílias também acabam sendo grandes fabricas de neuroses, pois muitas vezes acabam sendo espaços de agressão, falta de afeto e até mesmo solidão, apesar de está cercado por pessoas. Tal ambiente tem se tornado um verdadeiro lugar de adoecimento psíquico, fazendo indivíduos levarem feridas por toda vida. Antoine de Saint-Exupéry, o conhecido escritor, ilustrador e piloto francês em um contexto específico disse: “Não chore por ter perdido o pôr do sol, pois as lágrimas te impedirão de contemplar as estrelas”. Se angustiar pelo que passou sem perdoar a si mesmo e aos outros, é entrar numa zona de estagnação e começamos a nos bloquear ou mesmo desenvolvemos auto sabotagens para repetir os sofrimentos do passado. Não podemos voltar no tempo para mudá-lo, mas também não vivemos plenamente o presente se estivermos presos a ele e desta maneira não percebemos as coisas maravilhosas que a vida nos proporciona aqui no agora.
De fato quando nascemos em um lar onde os relacionamentos são saudáveis e existem respeito e amor mútuo, a vida se torna muito mais fácil de ser vivida. Muitos de nós trazemos dores tão profundas e intensas, que até parecem ter sido impressas no nosso íntimo para sempre devido a exposição a toda sorte de problemas, humilhações, ausências e maus tratos. Olhando assim parece que não existe algo que seja tão destrutivo na vida do ser humano quanto às questões dos dramas familiares. Um psicanalista francês, Charles Melman afirmou: “A instituição familiar está desaparecendo, e as consequências são imprevisíveis”. Como disse acima, a família é necessária, mas parece que cada vez mais ela está produzindo mais mal do que bem.
O filósofo, escritor e crítico francês Jean-Paul Sarte, certa vez afirmou que a “família é como a varíola: a gente tem quando criança e fica marcado para o resto da vida”. Entretanto, se guardarmos rancor e sentimentos de amargura contra nossa família estaremos repetindo em nós dores da infância sem resolvermos o cerne do problema. Quanto mais estocarmos em nossa alma tais coisas, sempre caminharemos pesados, pois reter o ódio faz muito mal. Todos nós passamos e passaremos por ambientes de sofrimentos, porém viver nesse ambiente é uma coisa, e permitir que ele viva em nós é outra coisa totalmente diferente. A questão é que muitas vezes conjugar o verbo sofrer parece gerar em nós um certo prazer, ou uma maneira de mostrarmos para o outro como nossa vida foi ruim pedindo indiretamente que ele facilite nossa jornada, afinal chegar aqui entre trancos e barrancos não foi nada fácil. Sendo assim, vamos reagir diante do sofrimento vivido e cuidarmos de nós mesmos para que nos tornemos pessoas melhores, a fim de não ficarmos enjaulados, presos pelas grades dolorosas do passado, mas livres, desfrutando da oportunidade que temos hoje de reescrever nossa história.
Quem é Daniel Lima Gonçalves – Psicanalista, Filósofo e Teólogo.
Membro do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi – GBPSF; Membro da International Sándor Ferenczi Network – ISFN; Membro Emérito – Sociedade Pernambucana de Estudos Psicanalíticos – SPEP; Estudo Permanente em Psicanálise no Instituto Nebulosa Marginal – INM; Especialista em Psicanálise e Teoria Analítica – FATIN; Especialista em Filosofia e Autoconhecimento – PUCRS; Extensão em Certificação Profissional em Neurociências – PUCRS; Pós-graduando em Ciências Humanas – PUCRS; Cursando Formação na clínica psicanalítica com adultos – CPPLRecife.
@psicanalisedaniellima daniellimagoncalves.pe@gmail.com