
Alunos do Sertão com bom desempenho no Enem na expectativa para entrada nas universidades
Em redação, os estudantes estão entre os melhores do país, naquele seleto grupo de 1,8% que alcançou mais de 900 pontos segundo professora e idealizadora do Tema, primeiro Curso de Redação do Vale do São Francisco, especializado em produção textual em Língua Portuguesa, Vera Medeiros. Existe um expectativa positiva sobre o desempenho dos alunos da região para a entrada nas universidades de acordo com os critérios do ENEM.
Postado em 07/04/2021 2021 07:30 , Educação. Atualizado em 07/04/2021 00:28
Alunos fazendo prova do Enem – Reprodução / Internet
O frio na barriga e expectativa dos alunos que concluem o 3° ano do Ensino Médio e realizam o Exame Nacional do Ensino Médio não termina após a maratona de provas. A ansiedade pelo resultado, e, depois, para a entrada numa universidade pública através do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) é ainda maior. Com uma pandemia em curso no meio de tudo isso, a situação é ainda mais angustiante.
O Sisu, do Ministério da Educação, começou a receber nesta terça-feira (6) inscrições para o primeiro semestre de 2021. Até sexta-feira (9) serão exigidos para essa seleção, exclusivamente, a nota do candidato no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020.
Em Petrolina, Sertão do São Francisco, a professora e diretora de um curso pré vestibular da cidade, Vera Medeiros, conversou com o Jornal do Sertão sobre o desempenho dos estudantes da região no ENEM, a expectativa de ingressar na universidade e as mudanças nos estudos durante a pandemia.
Entrevista Exclusiva com Professora Vera Medeiros
Vera Medeiros acima. Foto: Arquivo Pessoal
JS: Como você avalia o desempenho dos alunos da região no Enem 2020, com o ano atípico que tivemos?
Vera Medeiros: Apesar de todos os problemas que eles (e nós também) tiveram que encarar em 2020, os resultados foram excelentes. Vejo que cada obstáculo foi vencido paulatinamente: primeiro, a descoberta e a aceitação de que a suspensão das aulas presenciais era definitiva no ano; depois, a adaptação tecnológica para transmitir e acompanhar aulas on-line; por fim, a busca pelo controle emocional, para não se perder em meio à ansiedade e, em alguns casos, à depressão, ante a nova realidade. Vencidas as etapas, estavam prontos para enfrentar a prova e obterem um resultado maior que as expectativas deles.
Em redação, por exemplo, continuamos entre os melhores do país, naquele seleto grupo de 1,8% que alcançou mais de 900 pontos. Temos vários estudantes com 980, 960 pontos na redação. Isso é um resultado brilhante num país cuja média nacional de redação ficou em apenas, 58%, no Enem 2020.
JS: Em qual área de abrangência se observou um melhor desempenho? E o pior?
VM: Na nossa região, quanto às questões objetivas, o pessoal avançou muito em Matemática, este ano. Fiz um levantamento entre candidatos, e eles confirmaram a informação. A área com maior dificuldade foi a de Ciências da Natureza. Acredito que além de maior consistência no conteúdo cobrado no Enem 2020, há a questão do TRI, método estatístico utilizado para se calcular a nota dessas áreas (diferente da redação), considerando o peso de cada questão. Se o candidato acerta mais questões difíceis e erra as consideradas fáceis, terá prejuízo na nota final da área.
Também, ouvi de alunos que o conteúdo que o Enem propõe na área de Ciências da Natureza ainda está distante do que eles veem em escolas públicas, principalmente. Disseram que, na maioria dos casos, “têm que começar do zero, estudando sozinhos”.
No caso de Redação, nossos alunos têm mantido um padrão interessante de aproveitamento nos últimos anos.
JS: Como você avalia os temas de redação do Enem este ano? Alguns deles já estavam nas listas de previsões que os professores comumente enumeram, com assuntos recorrentes e atuais?
VM: As três propostas no Enem 2020 foram muito bem contextualizadas. Os candidatos puderam levar ao texto questões profundamente vivenciadas no país; sobretudo, no ano pandêmico que tinham acabado de testemunhar.
E os temas das três provas aplicadas foram vistos em sala de aula.
O tema da primeira aplicação, por exemplo – “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”-, tornou-se foco de abordagem desde junho de 2020, quando trabalhamos o impacto da pandemia na saúde mental dos jovens estudantes. Vimos, inclusive, como o aumento da exposição de crianças, jovens e adolescentes à internet estava intensificando o ciberbullying, gerando problemas emocionais graves como ansiedade e depressão. Também trabalhamos questões como o programa “Mentalize” e o aniversário de um ano da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio lançado pelo Senado. Além disso, tratamos das relações sociais e das novas leis que abrangem autistas e pessoas com Síndrome de Down.
No Enem digital, o tema “O desafio de reduzir as desigualdades entre as regiões do Brasil” também foi trabalhado, e imagino que por todos os professores de redação, por se tratar de uma tquestão que não sai da pauta em ano algum, no Brasil. No nosso caso, fomos pautados pelo desafio da fome no país pandêmico e pós-pandêmico, pelo Marco Legal do Saneamento Básico e pelo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, que foi publicado em 2020.
Na segunda aplicação, “A falta de empatia nas relações sociais no Brasil” foi o tema mais discutido e vivenciado em 2020, desde o início do ano, quando se viu explodirem, no país, ações de solidariedade em meio à pandemia. No entanto, ao mesmo tempo, tivemos que discutir a intensificação dos discursos de ódio nas redes sociais, principalmente pela polarização política no país. O núcleo “empatia” foi tema desde de fevereiro e se intensificou ao longo de todo o ano. Por isso, tenho certeza de que quem foi fazer a segunda aplicação ficou muito feliz em encontrar o tema. Tinha muito para dizer.
JS: Como você avalia as mudanças decorrentes da pandemia na educação, sobretudo no modo dos alunos se interessarem pelos estudos no formato on-line?
VM: É um momento de grandes desafios. A infraestrutura de gestão de aprendizado teve e continua tendo que ser reinventada. Adaptar conteúdos à plataforma digital não é fácil, principalmente num país em que 70% dos brasileiros têm acesso à internet, mas apenas 43% possuem computadores e conexão frequente em casa. Os demais vivenciam essa tecnologia via celulares e via internet temporária.
Também há o desafio da adaptação emocional. O convívio social nas escolas é uma forma relevante de aprendizagem, de crescimento. Quando os estudantes foram impedidos de vivenciar isso, vieram os distúrbios emocionais, as incertezas, a ansiedade. Um quadro normal para o contexto. E nó, professores, não ficamos distantes disso, mas tivemos que nos fazer de fortes para dar amparo e força aos estudantes.
No mais, está absolutamente claro, agora, que a educação brasileira esteve todas essas décadas aquém do desenvolvimento tecnológico. Acordamos! E essa sacudida será definitiva para mudanças importantes acontecerem. Infelizmente, ainda há, em média, 27% de alunos de escolas municipais sem aula, no país, desde o início da pandemia. Isso é gravíssimo! E os governantes precisam se dar conta da tragédia que tudo isso significa, para não condenar a próxima geração à absoluta exclusão.