Estados Depressivos Por Daniel Lima
Em meu último texto desta coluna ressaltei a importância de cuidarmos da saúde mental, da consciência da mente e, sobre os seus reflexos à saúde física. Hoje falo sobre os estados depressivos, que representam um sofrimento psíquico, crescente no mundo.
Postado em 26/05/2021 2021 17:17 , Bem Estar. Atualizado em 26/05/2021 17:26
Consolidação da Psiquiatria
A evolução do pensamento descritivo de Emil Kraepelin e a abordagem compreensiva de Sigmund Freud consolidaram a transição da psiquiatria do século XIX para a psiquiatria moderna, no início do século XX. Dessas vertentes, e por caminhos separados, chegou-se à divisão nas práticas psiquiátricas atuais: a psiquiatria dinâmica, alicerçada em fundamentos psicanalíticos que privilegia as intervenções psicológicas, e a psiquiatria biológica, com base na neurobiologia, que reduz o entendimento e a terapêutica das doenças mentais aos fármacos e a outras intervenções biológicas.
Atualmente estamos vivendo uma era em que o filósofo e ensaísta sul-coreano, Byung-Chul Han, chama de “Sociedade do Cansaço”. Com o decorrer dos anos, cada época traz consigo suas enfermidades fundamentais. Segundo o filósofo, visto a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal. Assim, doenças como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do século XXI, ainda mais em tempos pandêmicos como estes que estamos vivendo.
A Depressão Dominante nos Dias Atuais
A ascensão de sofrimentos psíquicos tem sido alarmante. A depressão se tornou um fenômeno significativo na configuração das psicopatologias contemporâneas, ganhando destaque não apenas no âmbito do discurso especializado das ciências, mas também, marcando presença na linguagem do senso comum. Estar deprimido é praticamente uma condição do sujeito pós-moderno.Com a ascensão de casos de infecção por Covid-19 e o aumento nos números diários de óbitos, sem a possibilidade de velar os mortos, tem-se vivido uma espécie de democratização da tristeza em sua dimensão mais aguda, configurando um luto coletivo. Como afirmou Drauzio Varella em um artigo publicado na Folha de S. Paulo, o mesmo reconheceu que o “impacto na saúde mental será a sequela mais devastadora da pandemia” (2020). Em Freud aprendemos que o trauma se instaura quando um acontecimento de certa magnitude surge de surpresa e nos pega despreparados. Sendo assim, não parece absurdo considerar essa pandemia como um trauma instaurado na vida individual e coletiva de todos nós. Estamos vivendo um tempo em que a tristeza e o desencanto tomam proporções de epidemia. Parece que se globaliza um estado de alma onde a depressão é o mal do século. A depressão é a expressão dominante em nossos dias. Na psiquiatria, a forma mais atualizada refere-se às “alterações de humor”.
Hoje nos defrontamos com dois grandes caminhos para tratar dessa temática: a psicanálise e a psiquiatria biológica. A primeira diz respeito a um desamparo fundamental, uma complexa e problemática relação com a perda, a falta, o vazio estrutural do ser humano; enquanto a segunda, oferece uma explicação por uma insuficiência biológica, um déficit neuro-hormonal encontrando no isolamento de uma molécula à promessa da cura. A melancolia (depressão) lança um desafio sobre a fronteira entre o somático (corpo) e o psíquico (mente), o estrutural e o atual, a neurose e a psicose, acenando para nosso não saber que para nosso saber. O que sabemos é que existe um mal profundo ligado a uma solidão existencial que é próprio do ser humano.
Valorização do Indivíduo Dentro de Sua Singularidade
É cada vez mais comum escutar: “sou um incompetente, um lixo…”. Isso reflete o sentimento de odiar a si próprio. Freud comenta que existiria uma perda de pudor para uma avaliação tão cruel e desastrosa. O deprimido sente-se culpado, remorso e culpa são companheiros constantes, sem levar em conta o “olhar em tons de cinza”, o qual reflete um passado insuportável, o presente torturador e uma sensação de impossibilidade relativa à falta de esperança quanto ao futuro.
Inegavelmente, a Análise Freudiana traz uma nova maneira de pensar o sofrimento psíquico dando ênfase à noção de conflito entre as possibilidades afetivas de realização de um indivíduo e os imperativos de um ideal exigente. Freud inicia um caminho que valoriza o indivíduo dentro de sua singularidade e marca a importância de seu discurso, de sua palavra, para a compreensão do sofrimento. Freud chega a se referir de doze maneiras diferentes quanto a esse tipo de sofrimento (a depressão). Ele enumera uma série de sintomas: apatia, inibição, pressão intracraniana, dispepsia e insônia, diminuição da autoconfiança, expectativas pessimistas, entre outros. Entre as indicações de psicoterapias de orientação analítica, existem evidências de que formas anaclíticas (ou dependente – caracteriza-se por sentimentos de solidão, desamparo e fragilidade) respondem bem às formas breves e de apoio, enquanto as introjetivas (autocrítica – apresenta-se com sentimentos de desvalia, inferioridade, fracasso e culpa) demandam abordagens de longa duração. Depressão (vale salientar que existem depressões e não apenas uma depressão), dor e angústia dizem respeito à expressão afetiva da intensidade pulsional, não fazendo parte de uma caracterização psicopatológica específica. Contudo, diferentemente da angústia, que se tornou o afeto por excelência da investigação psicanalítica, o afeto depressivo não obteve o mesmo destaque. É só no texto Luto e Melancolia, que Freud dará um tratamento específico ao tema da depressão/melancolia.
A psicanálise tem um papel fundamental na constituição do sujeito
A psicanálise ensina o quanto a linguagem tem um papel fundamental na constituição do sujeito e, principalmente, como uma interpretação bem colocada tem o poder de gerar novos sentidos. O valor da linguagem na criação de significações não está naquilo que ela traz de certeza, mas no estranhamento que pode produzir no falante, ou seja, na possibilidade de abertura que ela traz para o seu desejo. Além disso, o uso das palavras remete ao contexto em que tais conceitos são produzidos. Assumir que essa vinculação é natural nada mais faz que obscurecer a história de produção desse conceito e, para ser um pouco mais radical, da própria configuração desse mal-estar. Uma escuta psicanalítica dos sintomas depressivos está centrada na problemática narcísica de constituição da subjetividade, tendo variações em sua compreensão dentro da psicopatologia psicanalítica, mas nunca configurando uma estrutura específica, estando presente em diversas configurações estruturais. Desse modo, as depressões são mais um sintoma a ser interpretado no quadro geral da estrutura subjetiva do que propriamente um rótulo ou categoria psicopatológica. Por fim, há também, no campo psicanalítico, diferenças quanto à compreensão essencial dos estados depressivos e seu manejo clínico, mas apesar disso, pode-se notar também certa convergência em sua dimensão fundamental, com importantes implicações éticas que apontam para o seu lugar de destaque na atualidade.
Quem é Daniel Lima Gonçalves: Psicanalista, Filósofo e Teólogo.
Membro do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi – GBPSF; Membro da International Sándor Ferenczi Network – ISFN; Membro Emérito – Sociedade Pernambucana de Estudos Psicanalíticos – SPEP; Estudo Permanente em Psicanálise no Instituto Nebulosa Marginal – INM; Especialista em Psicanálise e Teoria Analítica – FATIN; Especialista em Filosofia e Autoconhecimento – PUCRS; Extensão em Certificação Profissional em Neurociências – PUCRS; Pós-graduando em Ciências Humanas – PUCRS; Cursando Formação na clínica psicanalítica com adultos – CPPLRecife.
@daniellima.pe daniellimagoncalves.pe@gmail.com