Arte em madeira do Sertão enaltece cultura pernambucana
Tradição passada por gerações de famílias em Ibimirim, Petrolina, Triunfo, Sertânia, entre outras cidades sertanejas, transpõe fronteiras e até três papas tiveram a honra de receber obras de artesãos
Postado em 10/07/2021 2021 07:57 , Cultura. Atualizado em 10/07/2021 12:10
Tradição passada por gerações de famílias em Ibimirim, Petrolina, Triunfo, Sertânia, entre outras cidades sertanejas, transpõe fronteiras e até três papas tiveram a honra de receber obras de artesãos
Como dizia o romancista Guimarães Rosa, em sua grande obra “Grande Sertão: Veredas”, o Sertão é do tamanho do mundo… Sertão: é dentro da gente….Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. Ou ainda Graciliano Ramos, em “Vidas Secas”, que trouxe para o imaginário dos escultores sertanejos inspirações para criar belas obras espalhadas pelo mundo.
Sertanejo nascido em Floresta, Manoel Santeiro aprendeu seu ofício com seu cunhado Enóquio, ainda jovem, na cidade de Ibimirim, no Sertão do Moxotó. Suas obras ganharam o mundo, desde sempre. Duas, de suas milhares de esculturas esculpidas em madeira de umburana, estão no Vaticano: a de Santa Paulina foi dada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao então pontífice João Paulo II. Uma outra, a de São Bento, foi uma encomenda do então governador Eduardo Campos e sua esposa Renata para presentear o papa Bento XVI.
Sua arte sacra é referência mundial em um estilo primitivista com um toque do barroco, que enaltece igrejas, capelas, santuários, jardins, casas, parques, pelos quatro cantos do mundo e do Brasil. Perguntamos a ele se teria ideia de quantas pessoas teriam suas esculturas pelo mundo afora: “Não tenho ideia não, mas trabalho com tanto apreço, que devo ter muita coisa espalhada em outros lugares.Tenho trabalho nos Estados Unidos, na Polônia, Itália. Eu trabalho pela arte, pelo amor à ela. Tenho muito orgulho do que faço”, disse, em tom alegre, à reportagem do JS.
Ao mestre, quem aprende
Ao seu cunhado, Enóquio, ele tece muita admiração e gratidão. Ao aceitar o convite de ficar em Ibimirim, ao invés de voltar para São Paulo, onde vivia aos 25 anos, Manoel Santeiro recebia ali o dom que lhe acompanha até hoje. Ele diz, com humildade e referência, que aprendeu olhando seu “professor” talhando a madeira.
“Fui com 21 anos para São Paulo. Daí voltei a passeio para Ibimirim. Foi quando meu cunhado me perguntou: “Você quer aprender e viver aqui”? Então, foi assim que decidi. Comecei a observar ele fazendo, aprendendo a lixar o pedaço da madeira. Tive paciência em admirar. E fiz, assim, minhas primeiras esculturas:São Francisco de Assis,São Pedro e São Judas Tadeu. Eu tinha o dom e desenvolvi ao longo do tempo. Hoje, misturo um pouco o primitivismo e a arte barroca. Aprendemos a usar a cera, o que dá uma beleza natural à madeira esculpida”, revelou.
Do ensinamento do primeiro professor, o mestre Manoel Santeiro ensinou muitos jovens da cidade de Ibimirim e de outras regiões vizinhas, por meio de oficinas patrocinadas pela Fundarpe. Seus oitos filhos com dona Maria José (ou simplesmente Zeza) como a chama, não seguiram seu ofício, mas seu sobrinho Sanderson Sá, 16 anos, a quem ele tem como filho, já mostrou amor à arte e o ajuda no ateliê criando suas próprias obras.
Chico Santeiro, o aprendiz de dona Zefinha Paulino
Quando trocou a cidade de Betânia, no sertão, por Ibimirim, senhor Francisco Vicente Nogueira, 58 anos, mais conhecido como mestre Chico Santeiro, se deparou com a pioneira da arte sacra da cidade sertaneja: dona Zefinha Paulino, que deixou um legado ao município, e abriu as portas para vários escultores. Um deles, foi o seu Chico.
Chico Santeiro tinha outra profissão, quando chegou em Ibimirim na década de 80. Era motorista. Mas, de tanto olhar, admirar a maestria das obras de dona Zefinha e de seu marido, Bento Ferreira de Souza, se apaixonou. “Ela, dona Zefinha dizia que eu levava jeito com as ferramentas. Devo à ela tudo que aprendi”, disse o artesão ao JS.
Depois de ficar um bom tempo em Ibimirim, mudou-se para a cidade de Triunfo, onde mora até hoje e tem seu ateliê. Lá, Chico Santeiro fez seu nome ficar conhecido. Como a cidade foi um dos esconderijos de Lampião e Maria Bonita, os personagens ganharam vida pelas mãos de Chico Santeiro. Uma das peças de Lampião está exposta, inclusive, no Museu de Cuba. “Fiz várias peças para muitos lugares distantes daqui. As primeiras foram Nossa Senhora da Conceição e São Francisco de Assis. Tenho muito orgulho do meu acervo.”, contou.
Entre as peças de maior tamanho, quase todas esculpidas em umburana e cedro, estão duas encomendadas para a capela dos frades franciscanos, em João Pessoa: Santo Antônio e Nossa Senhora das Dores. Segundo ele, ambas têm 1m80cm. Atualmente, Chico Santeiro trabalha por encomenda e a maioria de seus clientes é colecionador de obras de arte. “Nesses tempos de pandemia, diminuímos a produção, mas continuamos a fazer sob encomenda, graças a Deus”.
Em Sertânia, personagens de Vidas Secas
A cachorra Baleia, personagem do livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, ganhou vida pelas mãos do artista Marcos Paulo Lau da Costa, ou simplesmente Marcos de Sertânia. Seu corpo magro, em diversas cores, formas, tamanhos, vive hoje em casas, lojas, jardins, cenários de novelas e programas de TV, compondo ambientes decorativos em todo o mundo.
“Minha família vivia na zona rural. Em minha memória, ainda existe um homem sertanejo carregando lenha, uma mulher com um balde de água, um cotidiano bem descrito no livro de Graciliano Ramos. Mas também existem animais. A cachorra que esculpi em outros anos ganhou o gosto dos arquitetos e decoradores. Dizem que lembra o personagem Baleia, de Vidas Secas. E assim ficou. Retratamos as figuras dos sertões”, explica o escultor, que também tem uma peça em madeira cedro, que mostra um homem sertanejo de braços abertos, dada de presente pelo arcebispo de Natal, dom Jaime, ao papa Francisco, há cinco anos.
Marcos de Sertânia começou a trabalhar com madeira tipo cedro aos 12 anos de idade, por meio de seus tios, também artesãos. Em seu ateliê, no município sertanejo, ele trabalha com 16 artistas. Desses, três são primos, um tio e seu filho João Marcos, 24 anos, que já segue a geração da família na arte de esculpir.
Do São Francisco, o encantamento para arte sacra
Lá nas águas do Rio São Francisco, quando ainda jovem, saindo da cidade de Afrânio, aos 15 anos, Roque Gomes da Rocha, o Roque Santeiro, encontrou a arte de esculpir sua inspiração para a vida. Inicialmente, fazia carrancas, muito comum para os artesãos em Petrolina e cidades vizinhas à beira do Rio São Francisco. Chegam a ter dimensões enormes e decoram ambientes de casas, parques e praças da cidade.
Serviço
Manoel Santeiro – (87) 98844-0501 (Ibimirim)
Instagram: @mestremanoelsanteiro
Roque Santeiro – (87) 98839.2909 I 99632.4469 ( Petrolina)
Chico Santeiro – (87) 9991-3599 (Triunfo)
Instagram: @chicosanteiro
Marcos de Sertânia – (87) 99131-1423 (Sertânia)
Instagram:@marcosdesertania74