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Pernambuco, 29 de abril de 2025

Bem Estar

Felicidade em tempos de otimismo toxico

“Se só quiséssemos ser felizes, seria fácil, mas queremos ser mais felizes que os outros e isso é quase sempre difícil, porque acreditamos serem os outros mais felizes do que são.” (Montesquieu, “Meus pensamentos.”)

Postado em 21/07/2021 2021 18:05 , Bem Estar. Atualizado em 21/07/2021 19:04

Colunista

Daniel Lima – Teólogo, Filósofo e Psicanalista/GBPSF/ISFN. @daniellima.pe

 

Pollyanna é uma menina de onze anos que, após perder seus pais, vai morar com uma tia má, que até então,  não conhecia. Para não encarar os problemas que enfrentava, passa a utilizar o “jogo do contente”. Esse jogo consistia basicamente em ver um lado positivo em tudo, até mesmo,  nas situações mais difíceis. Esta é a personagem central do livro homônimo escrito por Eleanor H. Porter, em 1913, e que é um clássico da literatura infantojuvenil. Passou a ser sinônimo da pessoa excessivamente otimista e até ingênua e também define um padrão de comportamento chamado Síndrome de Poliana.

A quem interessa o pensamento positivo a qualquer custo?

Ao invés de tentar serem felizes o tempo todo, as pessoas devem mudar a forma como lidam com os problemas. Há pessoas que retratam uma vida irreal e de fantasia pelas mídias sociais, exaltando um grande otimismo ou situações que não condizem com a realidade. Quem recebe ou vê esse tipo de informação pode entrar em um sentimento de euforia ou tristeza baseado no que imagina e questionar seus próprios sentimentos. O psicanalista e mestre em filosofia, Pedro De Santi, associa a positividade tóxica ao negacionismo, que ele chama de “pensamento mágico”, isso porque,  segundo ele, quem vive assim caminha “de acordo com a lógica de que se você pensar positivo tudo vai se resolver e nada de ruim vai acontecer, basta pensar positivo para não pegar Covid e ignorar todas as outras orientações”. Então, aqui cabe uma pergunta: A quem interessa o pensamento positivo custe o que custar?



Felicidade não é um objetivo

 

Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e psicanalista, disse em uma entrevista a CNN que “Felicidade tem a ver com viver intensamente o presente, para o bem e para o mal, com seus dias de pesar e gravidade, como os que estamos passando agora. Tem menos a ver com expectativas e mais com a realidade”. Estamos vivendo um momento em que todos estão bastante vulneráveis à uma infelicidade, de modo que os especialistas lembram que felicidade não deveria ser vista como um objetivo a ser atingido, mas como o efeito de uma vida que vale a pena ser vivida na sua tristeza, no seu luto, nas suas perdas, e na sua raiva. “A recomendação que Freud fez há mais de 90 anos não poderia ser mais atual: ‘cada um deve encontrar o seu caminho para a felicidade, e que ele seja o menos negacionista possível’”, finaliza Dunker.

 

A felicidade em estágio continuo,  é fantasia

Freud no ensaio “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico” (1916), descreve as manifestações clínicas que seguem o caminho oposto ao da satisfação do desejo. Ele destaca a resistência de certos pacientes que se opõem ao tratamento psicanalítico, mas o que chama a atenção é que alguns sujeitos caem doentes exatamente diante da iminência de um desejo se realizar e não como se esperaria normalmente, como se a frustração fosse a raiz de uma doença. Freud diz que em alguns casos, o paciente é incapaz de tolerar uma felicidade gerada pela realização do desejo, por isso, ele se agarra ao sintoma, diante de qualquer sinal de cura. Deste modo, o sujeito não está disposto a melhorar porque não quer abandonar seu sofrimento. A intenção de que o homem seja “feliz” não se acha incluída no plano da criação (1929). Freud conclui que a felicidade só existe em contraposição ao sofrimento, é repentina e toma-nos de surpresa. Deste modo, a felicidade em estado contínuo não é mais do que uma fantasia, pois só conhecemos uma coisa em contraste com seu oposto.

 

Quer realmente ser feliz?

Então, antes de tudo é preciso aprender a caminhar na ambivalência, desconsiderando o conceito publicitário de felicidade, experimentando a vida sem negar aquilo que realmente sente. Como disse Espinoza em “Da origem e da natureza das afecções”: “Aceitar que nosso destino é só nosso. Que nossa tristeza ou alegria dependem de nós mesmos.” Isso segue o conceito grego que era: “Um instante de vida que vale por ele mesmo.” Sem se impor um otimismo como um mantra que nega o que se sente. Afinal, a felicidade não é um produto, não é um estágio alienante, um comercial, não é uma caixa só de alegrias. Portanto, seja você em sua singularidade na alegria e na tristeza, quando não suportar mais tal mal-estar procure ajuda especializada.

 

Quem é Daniel Lima Gonçalves: Psicanalista, Filósofo e Teólogo.
Membro do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi – GBPSF; Membro da International Sándor Ferenczi Network – ISFN; Membro Emérito – Sociedade Pernambucana de Estudos Psicanalíticos – SPEP; Estudo Permanente em Psicanálise no Instituto Nebulosa Marginal – INM; Especialista em Psicanálise e Teoria Analítica – FATIN; Especialista em Filosofia e Autoconhecimento – PUCRS; Extensão em Certificação Profissional em Neurociências – PUCRS; Pós-graduando em Ciências Humanas – PUCRS; Cursando Formação na clínica psicanalítica com adultos – CPPLRecife. @daniellima.pe    daniellimagoncalves.pe@gmail.com