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Pernambuco, 21 de março de 2024

Artigo

Não estou vivendo a minha história! por Daniel Lima

Ser protagonista da própria história numa geração que cada vez mais quer ditar como devemos viver é algo desafiador. Às vezes se tem a impressão de ser um mero figurante ali apenas vendo a vida acontecer se sentindo pequeno ou insignificante.

Postado em 29/10/2021 2021 20:30 , Artigo, Colunistas, Saúde. Atualizado em 29/10/2021 21:01

Daniel Lima – Teólogo, Filósofo e Psicanalista/GBPSF/ISFN. @daniellima.pe

“A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente.”
(Rubem Alves)

É cada vez mais comum escutarmos pessoas dizerem que se sentem como se não fossem donas da própria história. A sensação de não estar vivendo a vida que se deseja, que se espera é algo angustiante, parecendo que se vivi sempre a vida de um outro que nem se sabe quem é. Não atoa algumas pessoas tem a impressão de estarem escrevendo a própria história, mas alguém estaria apagando a história que se escreve.
Ser protagonista da própria história numa geração que cada vez mais quer ditar como devemos viver é algo desafiador. Às vezes se tem a impressão de ser um mero figurante ali apenas vendo a vida acontecer se sentindo pequeno ou insignificante. Há também pessoas que se sentem como coadjuvante, porque vivem um pouco do que querem para si, mas experienciam a angústia de terem a sensação de que outras pessoas estão vivendo a vida que ela deseja. Nas artes cênicas, por exemplo, o protagonista é o personagem central da narrativa. Os coadjuvantes são todos os outros personagens que fazem parte da história, mas não são alvos do foco central da trama.
Mesmo tendo a sensação de que não está vivendo a própria história é curioso como cada um pode contar a sua própria história, da infância a vida adulta. Se o indivíduo for questionado sobre a sua historicidade ele poderá contar sua própria história vida, escolherá fatos, editará lembranças, selecionará o que quiser. Contará não necessariamente os fatos em si, mas a edição dos fatos feita por ele.
Fico pensando, o que será que faz com que o sujeito tenha essa sensação? Por que sente-se como se estivesse vivendo a história que alguém escolheu? Que vida é essa que gostaria de ter que parece inalcançável? Não é tão difícil encontrar nestas pessoas uma vontade de agradar o outro e uma felicidade que depende de algo que a primeira vista parece inalcançável como se elevasse o ideal justamente para não alcançar. Parece que o desejo destes é rendido a um desejo do outro, querendo ser desejado ao invés de desejar. Isso gera muito sofrimento psíquico porque se sente insuficiente muitas vezes ao mesmo tempo em que se sente uma marionete. Deste modo o indivíduo fica preso a esse olhar do outro que pode lhe aprovar, lhe validar e lhe reconhecer como sujeito senhor de sua própria história, isso, por sua vez, gera uma sensação de fracasso.
Ser senhor de sua própria história também é se responsabilizar por ela. Clarice Lispector, em: “Água Viva” diz: “Dor é vida exacerbada. O processo dói. Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar. E o sangue agradece. Respiro, respiro.“. Viver apesar de ser um processo doloroso é uma lenta dor boa. Esse vir-a-ser é pegar a caneta e ser autor da própria história se responsabilizando pelas escolhas que muitas vezes até nos colocam em um caos. Tomar as rédeas da própria vida, por assim dizer, é algo liberta-dor. Sim, nos liberta de dores ruins aquelas que não nos deixam vir-a-ser. Como podemos vir a ser? Qual o nosso desejo? O que queremos quando terceirizamos a nossa vida? Rubem Alves dizia que “não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses”. Se queremos voar, seguir com nossas próprias asas é necessário que mudemos, porque é muito confortável está em posição queixosa dizendo que alguém escreve a nossa história. Mas porque entregamos o papel e a caneta para escreverem e depois pegamos o que está escrito como um roteiro para nossa vida? Se não estamos vivendo a nossa história é preciso perguntar: que história é essa que estou me permitindo viver e de quem é? Pensemos, mudemos e venhamos-a-ser.