
Grãos na Chapada do Araripe. O que há de incompatível? Por Geraldo Eugênio
A lição é simples. Vende-se em dólar americano e se paga na mesma moeda e, para melhor esclarecer, na maioria dos casos, as empresas vendem suas colheitas antecipadas, seja no caso do açúcar, do milho, da soja ou da carne.
Postado em 25/11/2021 2021 18:00 , Economia. Atualizado em 25/11/2021 08:54
Geraldo Eugênio Foto: Divulgação
Um estado consumidor de grãos
Pernambuco, como todos sabem, apresenta uma demanda por grãos de milho e soja muito superior à sua produção atual. Não há de errado nisto. Significa que as atividades econômicas necessitam dessas matérias primas que podem ser deslocadas de outras regiões do país. Aí vem a Covid 19 e coloca tudo de ponta cabeça afetando de forma dura todo o agronegócio nacional mesmo em cadeias que aparentemente são beneficiárias da alta do dólar. A lição é simples. Vende-se em dólar americano e se paga na mesma moeda e, para melhor esclarecer, na maioria dos casos, as empresas vendem suas colheitas antecipadas, seja no caso do açúcar, do milho, da soja ou da carne. Em outras palavras, quase sempre ao entregar os produtos com um dólar supervalorizado ao invés de ganhar o vendedor sai perdendo.
Cadeias dependentes de insumos externos
Os principais consumidores de milho e soja no estado são para a alimentação humana no segmento amido e farinhas, a avicultura e a pecuária de leite, contando ainda o parque industrial de bebidas em especial as cervejarias. Enquanto os preços eram compatíveis com o custo de produção dos produtos, a exemplo do frango e dos ovos não haveria por que reclamar. Quando da elevação exagerada dos preços desde o início da Pandemia a inflação bateu forte no setor alimentar e não poderia ser diferente em relação à alimentação animal. As margens de lucro foram drasticamente reduzidas e alguns segmentos passaram a operar no vermelho. Outros, literalmente se encontram hibernando, administrando uma conta que fecha em um zero a zero, esperando a tormenta passar. No caso do agronegócio nacional os ganhos são a expressão do aumento da produção, uma vez que, conforme discutido quase sempre as entregas já foram recebidas há meses ou até há anos.
A zona de conforto
Restou ao empresariado, aí destacando-se os avicultores, a notar que não podem permanecer permanentemente dependente da aquisição de grãos fora do estado e teriam que ver alternativas mais próximas. Sergipe transformou-se em um estado estratégico para Pernambuco, como Alagoas também está a caminho devido a logística. As granjas e indústrias conseguem transportar um grão há pouco mais de 200 quilômetros quando ao se pegar no Cerrado a distância varia entre um e dois mil quilômetros. Em associação com o governo estadual viabilizaram o programa Grãos PE visando uma maior produção de milho e soja, iniciando-se por plantios no Agreste e na Zona da Mata.
Grãos são cultivos com uma baixa margem de lucro e para se manter o produtor tem que se profissionalizar incorporar a tecnologia correta e atualizado com o mercado e suas tendências. Foi isto que os empreendedores pernambucanos fizeram, e durante a safra de 2021 obtiveram colheitas que não chega a se comprar a produtividade do Cerrado, mas alcançando-se duas toneladas por hectare, de milho, o que equivale a mais do que o dobro do que se colhe em Pernambuco em anos de chuvas normais.
Levanta e sacode a poeira
Nesta busca por áreas passíveis de serem cultivadas com grãos chegou-se à Chapado do Araripe, um platô com um milhão de hectares, todo antropizado à exceção da Flona do Araripe e de algumas reservas legais que ano a ano segue com a mandioca como cultura principal e produtividades que dificilmente ultrapassam 20 t/ha de raízes.
O clima ameno durante o período de chuvas, o relevo plano, os solos fáceis de serem trabalhados se constituem em vantagens comparativas a outras regiões do Agreste e Sertão. Ao pé da Chapada, do lado de Pernambuco encontram-se um volume extraordinário de gipsita, a rocha da qual se produz o gesso para a construção civil ou para o uso agrícola. Do lado norte, estão cidades importantes do estado do Ceará, a exemplo de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha que desde há muito tempo compõem uma região beneficiária das chuvas que caem sobre a chamada e percolam para o Cariri Cearense.
Recentemente, alguns empresários têm visto na Chapada do Araripe uma oportunidade para produção de grãos, decisão que parece razoável, entretanto tem contato com a firme oposição de um segmento que considera que as propriedades da Chapada devem permanecer intocavelmente alteradas e com produtividades incapazes de transformar a região. Isto é, exercendo uma agricultura em que os agricultores permanecerão sempre pobres e a região tendo o desenvolvimento como um sonho. Uma resposta muito parecida ao que recentemente se viu em relação à energia eólica, hoje uma das principais fontes de renda e desenvolvimento da região do Araripe.
É chegado o momento de encararmos a vida com a clareza e deixar bem claro que as energias renováveis e a produção vegetal poderão se constituir em objeto de mudança para uma região que tem no gesso empregado na construção civil sua única fonte expressiva de atividade econômica. Não dá para se tentar impedir a capacidade de empreender seguindo-se a legislação ambiental vigente e procurando modelos que aproveitem ao máximo a mão de obra e as empresas locais. Negar o que foi a mudança conseguida no Cerrado brasileiro nos últimos cinquenta anos é grave e defendermos o que existe de real é algo a se esperar de todos os cidadãos e cidadãs de boa-fé, engajados com o bem-estar dos que lá vivem. Não vamos tentar frear o conde da história. O melhor é participarmos da travessia e cobrar e exigir para que tudo seja feito conforme mandam os bons preceitos de defesa do meio-ambiente e daqueles que nela habitam. Vamos dar uma chance e aqueles que vivem na Chapada e no Sertão que a circunda.