Sinal de alerta para carne de bode vendida em feiras livres, aponta estudo da Univasf
Estudo, feito no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias no Semiárido (PPGCVS), avaliou itens como qualidade dos produtos de origem animal, qualidade microbiológica, contaminação alimentar, agentes antibióticos e bactérias multirresistentes.
Postado em 25/03/2022 2022 07:00 , Ciência, Saúde, Saúde Pública. Atualizado em 25/03/2022 11:17
Dados da Organização Mundial da Saúde atestam que cerca de 420 mil pessoas em todo o mundo morrem todos os anos por intoxicação alimentar, isso sem considerar as perdas pelos casos de pacientes internados em unidades de saúde. O risco ainda é maior, segundo a OMS, para pessoas com imunidade deprimida (idosos, mulheres grávidas, recém nascidos, pessoas com doenças imunes).
Com essa estatística às mãos e estudiosos sobre a questão cultural da compra da carne caprina (carne de bode) nas feiras livres de Petrolina e arredores, a médica veterinária Juliana Oliveira de Miranda, sob orientação do professor e mestre e professor Rafael Torres durante sua tese no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias no Semiárido (PPGCVS), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf ), foram a campo pesquisar a taxa de prevalência, o perfil de resistência aos antimicrobianos e a capacidade de formação de biofilme de isolados patogênicos de Salmonella spp., Escherichia coli e Staphylococcus aureus obtidos de amostras de carne caprina comercializadas em feiras livres e estabelecimentos comerciais do município de Petrolina, no Sertão do São Francisco.
A cidade sertaneja é a maior consumidora do tipo de carne no Brasil. Estudos apontam um consumo médio maior que 11 kg. E para acrescer a importância do estudo à época realizado entre os anos de 2019 e 2020, o maior abatedouro da cidade, localizado na sede do município estava interditado. No período da coleta das amostras, só havia um abatedouro no município funcionando, o abatedouro de Rajada.
No entanto, esse abatedouro, segundo a doutoranda que conversou com a reportagem do JS, tem uma capacidade de abate bem menor que o abatedouro da sede que estava interditado, abatendo no máximo 150 animais por dia, e não atendia a demanda do município. “Sendo assim, grande parte da carne de caprina vendida na região estava vindo de abates clandestinos, realizados em locais sem as devidas condições de higiene e sem considerar as boas práticas de fabricação de alimentos”, complementou Adriana Oliveira. O abatedouro municipal, localizado na sede da Cidade, foi reaberto em 2021.
“A carne é um excelente meio de cultura para bactérias. E algumas dessas bactérias são fontes de infecção alimentar e ou podem causar intoxicação alimentar. Se as operações para produção dessa carne (desde a fazenda, abatedouro, transporte e venda) não forem realizadas de forma higiênica e considerando as boas práticas de fabricação, há um grande risco dessas carnes terem níveis de contaminação bacteriana acima do permitido. O consumo de carne contaminada pode representar um sério risco a saúde das pessoas” alertou.
Embora seja uma questão cultural na região sertaneja, o consumo demasiado da carne de bode, o produto vendido nesses locais, aumenta os riscos em relação a qualidade do produto, pois muitas vezes as carnes não apresentam uma procedência conhecida, podendo ser oriundas de abate clandestino, além do problema com as condições de armazenamento e comercialização dessas carnes, que ficam expostas a temperatura ambiente, facilitando o crescimento de bactérias patogênicas e deteriorantes, além da exposição a poeira, insetos e animais domésticos.
“Além disso, as condições de manipulação das carnes geralmente é precária, as barracas de madeiras são de difícil higienização, sendo fonte de contaminação, e muitas vezes os comerciantes não usam boas práticas de manipulação, como roupas adequadas, higienização das mãos”, revelou a médica veterinária.
Resultados preocupantes
Como resultados da pesquisa científica publicada, inclusive, na renomada revista Food Protection Trends, da Associação Internacional para Proteção de Alimentos sob o título “Prevalência, formação de biofilme e resistência antimicrobiana de isolados de Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Salmonella provenientes de carne caprina comercializadas em Petrolina, Brasil”, 35% das amostras de feiras livres estavam com contagem de bactérias mesófilas aeróbias acima do estabelecido pela normativa brasileira, enquanto que nenhuma das amostras comercializadas em mercados/açougues ultrapassou esse limite.
Também se observou que 65 e 75% das amostras de feiras livres e de mercados/açougues, respectivamente, estavam contaminadas com a bactéria Staphylococcus aureus. “Essa bactéria pode produzir toxinas responsáveis por intoxicação alimentar. Ademais, todas amostras coletadas das feiras livres e mercados/açougues foram contaminadas com coliformes totais, coliformes termotolerantes e com a bactéria Escherichia coli, sendo que 25% das amostras, tanto de feiras, como de mercado/açougues estavam com contagem de Escherichia coli acima do limite permitido pela legislação brasileira”, acentuou a doutoranda.
A bactéria Escherichia coli é encontrada no intestino humano e no intestino de animais de sangue quente e nas suas fezes e sua presença na carne indica falhas nas práticas de higiene e manipulação. Além disso, observou-se, segundo os pesquisadores, que 25% das amostras tanto de feiras livres, como de mercados/açougues tiveram contaminação pela bactéria Salmonella. Pela legislação brasileira, não é permitida a presença dessa bactéria em amostras de carne, uma vez que ela pode causar intoxicação alimentar e em casos raros, pode provocar grave infeção e morte do indivíduo contaminado.
Resistentes a medicamentos
Além do grande número de amostras contaminadas por bactérias, observou-se também no estudo que a maior parte dos isolados de bactérias foram resistentes aos principais antibióticos disponíveis no mercado, tanto nas amostras de feiras, como nas amostras de mercados/açougues. De acordo com os autores, esse resultado aumenta a preocupação com o risco de intoxicação alimentar que pode ser causada ao consumir essas carnes contaminadas, pois o tratamento de intoxicação causada bactérias resistentes a antibióticos é mais difícil.
O que dizer ao público?
Na opinião dos pesquisadores e doutores pela Univasf Juliana Oliveira e Rafael Torres de Souza Rodrigues a carne caprina comercializada em Petrolina, independentemente de ser vendida em feiras livres ou em estabelecimentos comerciais, está fortemente contaminada com patógenos bacterianos de extrema importância do ponto de vista da saúde pública. “O padrão de resistência aos antibióticos dos isolados avaliados mostra uma alta incidência de contaminantes bacterianos resistentes a múltiplas drogas em carnes vendidas tanto em feiras livres quanto em estabelecimentos comerciais”.
Segundo Juliana Oliveira, se tais proteínas não forem bem cozidas, elas podem ser fontes de contaminação e intoxicação alimentar. Além disso, se os consumidores manipularem os demais alimentos que não são cozidos, por exemplo, verduras, com os mesmos utensílios (facas, tábuas…) usados para manipular a carne, eles podem contaminar essas verduras, aumentando o risco de contaminação, acrescentou a médica.
Mais fiscalização
Na opinião dos médicos pesquisadores é necessário aumentar as ações contra os abates clandestinos, as fiscalizações nas feiras e mercados/açougues, principalmente, em relação a procedência das carnes, se elas vêm de abates oficiais e as boas práticas de manipulação de alimentos realizadas nesses estabelecimentos.
“Cursos de capacitação para as boas prática de fabricação de alimentos com os feirantes, manipuladores e comerciantes também são necessários. Outro ponto que deve melhorar é a estrutura das feiras livres, principalmente, garantir o armazenamento da carne em refrigeração, além da manipulação adequada das carnes e das condições de higiene dos feirantes/manipuladores”, lembra.
Os autores destacam que as duas principais feiras livres de Petrolina, a da Areia Branca e a da Cohab Massangano já vem passando por reformas, justamente, para melhorar as condições de comercialização das carnes e pescados, com adoção de sistema de frio para armazenar as carnes e abolição das barracas de madeira, que são inadequadas, por serem de difícil limpeza e higienização.
Alerta
Para os consumidores, recomenda-se que cozinhem bem as carnes para garantir a destruição das bactérias e suas toxinas, e que evitem usar os mesmos utensílios domésticos (facas, tábuas…) para manusear carnes e alimentos, principalmente, aqueles que não serão cozidos, como saladas e frutas, pois pode ocorrer a contaminação desses alimentos com as bactérias presentes nas carnes. No caso de comprarem carnes em feiras livres, observar as condições de higiene das barracas e feirantes, procurar saber a procedência da carne, se ela tem selo de inspeção, e, no caso de compra em locais que não armazenam as carnes em refrigeração (condição não ideal), procurar fazer a compra o mais cedo possível, para evitar a exposição dessa carne por maior tempo em altas temperaturas, o que aumenta o crescimento de bactérias.