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Pernambuco, 09 de outubro de 2024

Agronegócios

O Brasil e a demanda por tecnologia agropecuária

A agropecuária brasileira era incapaz de produzir alimentos suficientes para sua crescente população urbana e em situação de extrema crise, inclusive do petróleo, não se visualizava outro caminho a não ser o de se tornar autossuficiente produção de alimentos e de álcool combustível, hoje conhecido como etanol.

Postado em 06/04/2023 2023 16:25 , Agronegócios. Atualizado em 08/04/2023 08:27

Colunista

 O que fazer da política de pesquisa e inovação para a Agricultura

Dois movimentos admiráveis foram desencadeados no início da década de 70 que impulsionaram a agropecuária brasileira onde hoje se encontra. O primeiro se deu com a decisão de transformar o mofado departamento de pesquisa agropecuária do Ministério da Agricultura em uma empresa nova, a Embrapa, que tinha como característica a juventude, o conhecimento e a coragem. São muitos aqueles que merecem ser considerados como pais desta instituição, dois personagens merecem uma atenção especial. O pernambucano José Irineu Cabral, empossado como primeiro presidente da casa em 26 de abril de 1973, exatamente há cinquenta anos, dirigiu-a por cinco anos. O segundo profissional a quem me refiro é o Dr. Eliseu Roberto de Andrade Alves, que fez parte da primeira diretoria e deu continuidade à gestão do Dr. José Irineu por outro quinquênio. Isto é, esses dois cidadãos estiveram à frente a Embrapa no período crítico e naquele em que a maioria das instituições públicas ou privadas não sobrevivem e fecham as portas.

A agropecuária brasileira era incapaz de produzir alimentos suficientes para sua crescente população urbana e em situação de extrema crise, inclusive do petróleo, não se visualizava outro caminho a não ser o de se tornar autossuficiente produção de alimentos e de álcool combustível, hoje conhecido como etanol.

O segundo movimento diz respeito à disseminação do ensino de pós-graduação no Brasil com o surgimento de dezenas de programas nas universidades públicas e privadas e a consolidação do Brasil como uma das mais importantes nações do mundo como potência agrícola. As coisas andaram bem e não é a toa que o país em 2023 é o terceiro mais importante ator no âmbito do comércio internacional de alimentos.

Novos tempos, novos atores

Dentre os momentos da história da Embrapa há de se reconhecer que um no qual ela conseguiu maior relevância no cenário nacional e internacional, apoio político e financeiro e capacidade de investimento, destaca-se o intervalo entre 2004 e 2011. Na última década sofreu com crises de gestão e financeira, o que afetou diretamente seu papel como protagonista e sua capacidade de produzir e entregar os resultados dela esperados. Agora procura, lentamente, se restabelecer, devendo estar atenta ao fato de que a situação atual difere bastante do cenário de 2004. Hoje as demandas são mais específicas e novos parceiros e competidores encontram-se no mercado de tecnologia no Brasil.



As universidades e campi criados entre 2006 e 2015 se consolidaram e alguns deles dão claros sinais de vitalidade e presença no mercado de novas tecnologias. Por outro lado, dentre as instituições estaduais de pesquisa agropecuária, poucas restaram com capacidade de sustentar uma agenda mínima de entrega de resultados. Na maioria dos casos, a interferência política foi de tal forma nociva que o esforço para as ressuscitar não seria uma tarefa fácil como pode parecer.

A empresa privada passou a ser um componente poderoso e não são poucas aquelas que contam com excelentes equipes técnicas e infraestrutura de pesquisa, além de se contar com milhares de pequenas empresas, cunhadas como startups, e com uma presença garantida em transferência de tecnologia e inovação, acentuando-se a aplicação das tecnologias de comunicação no agronegócio nacional. Até o presente no mundo dito oficial não se nota sinal algum de preocupação com este novo ambiente institucional.

O agro é importante, não dá para ficar assistindo a dança dos astros e revivendo o passado

As últimas eleições deixaram um rastro de desconfiança entre as lideranças do agronegócio e o governo que não se conhecia em tempo algum. Em nenhum outro pleito, a direção de algumas entidades do setor se comportou de forma tão sectária, cometendo equívocos de todas as ordens quando do diálogo com os principais candidatos. Hoje, apesar dos resmungos, não há do que reclamar uma vez que foram extremamente partidárias e até se declararam contra o regime de democracia formal no país antes e após as eleições, insistindo em desconsiderar o resultado das eleições de outubro de 2022. Muitas dessas lideranças embarcaram em uma saga conspiratória que não tem nada a ver com um setor que tantas contribuições importantes têm dado à nação e tão bem-sucedido em seus negócios.

Uma coisa é certa, a temperatura obrigatoriamente deve baixar e as principais linhas de ação visando a expansão da produção agrícola no país continuar é mais importante do que a opinião pessoal de quem quer que seja. O país manterá sua agricultura como o segundo mais importante componente de sua economia, após os serviços e procurar buscar produzir 400 milhões de toneladas de grãos em 2030.

A oportunidade para a agricultura brasileira não é menor do que em 2003

Alguns comentaristas insistem em afirmar que o Brasil foi relativamente bem-sucedido em suas políticas econômicas e de crescimento na primeira década do século XXI devido ao crescimento da China e países asiáticos e a demanda voraz por alimentos. Há uma certa razão, mas longe deste raciocínio ser definitivo. A Ásia se tornou a principal região econômica do planeta. O surgimento no cenário mundial da Índia, do Vietnã, da Malásia e da Indonésia, de certo modo, pegou muito de surpresa. O Brasil continua crescendo em termos de produção e venda de alimentos e matérias primas, mas não se configurou um aumento de lucros reais para as empresas do agro ou um crescimento consistente da economia nacional na última década.

A demanda por alimentos se ampliou. A China assumiu a posição de maior parceiro comercial do Brasil e diversos outros países passaram a consumir grãos, farelos, sucos e carnes produzidas no país.

Cabe aos empresários e governos prestarem a devida atenção aos movimentos geopolíticos e tecnológicos e estabelecerem iniciativas de inovação capazes de manter o Brasil como um dos principais celeiros mundiais. Os desafios não são poucos. Há pouco ao se detectar o caso de um animal com a síndrome da vaca louca o que se observaram foram demonstrações extremas. Alguns consideram que este animal havia sido contaminado voluntariamente, outro, que uma única ocorrência não teria implicações na sanidade dos rebanhos. Raciocínios completamente descabidos para quem conhece o mercado internacional de carne e derivados.

O importante é frisar que o mercado é pendular. Fatos isolados podem ajudar, mas podem causar danos a tua embarcação, portanto que se esteja atento às regras do jogo e que se continue fazendo o dever de casa. Há uma outra ameaça no momento: a falta de alguns produtos no mercado, em particular os fertilizantes. Já foi comentado o fato de não se justificar uma atividade que tenha 85% de alguns de seus fertilizantes importados. Esta questão tem que ser resolvida e deve ser reconhecida a falha desta questão ter sido abordada com a devida ênfase por décadas.

O Semiárido quer fazer parte do novo cenário

O Semiárido brasileiro por ser uma região mais conhecida como refém das secas e de baixa capacidade de resposta sempre ficou à margem das definições políticas, até dos governos estaduais, por incrível que pareça.

Chegou o momento da inflexão. A região conta com uma dinâmica econômica própria e ficará contente em se encarar como o eterno problema da nação e pretende contar com a fração do bolo a que tem direito. Isto vale para a política de saúde, educação, infraestrutura e para o desenvolvimento agrário. Isto é o que se espera dos empresários e, mais ainda dos governos federal e estaduais quando considerarem que está na hora de reagir e por a locomotiva nos trilhos. Conta com milhares de jovens egressos do ensino superior em busca de uma oportunidade.

Aproveitar este ativo incentivando a criação de novas empresas e empreendimentos será essencial. Não se imagina que o serviço público atenderá sequer um décimo da demanda por mão de obra qualificada, mas a economia real, está que se vê nas ruas, mercados, lojas, glebas, fazendas dará conta do recado. É neste ambiente onde se darão as apostas e os acertos.

 

Errata: Na última coluna, de 31 de março de 2023, em dois momentos a rodovia PE  435 foi citada como BR 435. Desculpem. Esta é a rodovia estadual que liga a cidade de São José do Belmonte à divisa com o estado da Paraíba.

 

1Professor Titular da UFRPE-UAST

Serra Talhada, 30 de março de 2023