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Pernambuco, 15 de janeiro de 2025

Agronegócios

A espera da seca, gestão será fundamental

Normalmente os resultados são, no mínimo, duvidosos e, apesar dos avanços, não têm surtido os efeitos que políticas bem formuladas e aplicadas têm feito sobre outras regiões e países afora.

Postado em 13/04/2023 2023 20:01 , Agronegócios. Atualizado em 13/04/2023 20:01

Colunista

Secas podem ser gerenciadas como qualquer atividade

Distante é o tempo em que as secas poderiam ser consideradas como um castigo divino aos habitantes de determinadas regiões visando punir hordas de pecadores que não atendiam às leis e aos bons costumes. Também ficou para trás a imagem do retirante faminto, roto e miserável tão bem retratado por Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos.

Decisões estruturantes foram tomadas, a exemplo da disponibilidade de energia elétrica universalmente em todas as propriedades do Semiárido; melhoria quanto a disponibilidade de água nas cidades e comunidades isoladas; acesso a uma malha razoável de estradas, construção de pontes e passagens molhadas; instalação de postos de saúde em dezenas de comunidades antes não assistidas; programas sociais que permitiram aos desamparados, enfermos e aos mais pobres contarem com recursos que lhes permite contar com a alimentação; um sistema de atendimento clínico e hospitalar que jamais poderia se imaginar há poucas décadas; o acesso à telefonia e a internet, além da inclusão definitiva das energias renováveis entre as tecnologias de maior impacto na região.

Tudo o que foi descrito ainda não é suficiente se a seca não for encarada como algo a ser trabalhado com planejamento e gestão e se permanecer no movimento oscilatório entre a instalação do período seco e o retorno das chuvas. O primeiro ocorre como se a natureza não tivesse emitido inúmeros sinais de alerta. O segundo, normalmente de alegria, também se dá em um ambiente  que não se leva em consideração os danos e a necessidade de recomposição de uma economia, em especial, a infraestrutura das propriedades no Semiárido.

Falta de conhecimento não é desculpa

Para muitos, o sofrimento e o modo informal com que o Brasil tratou seus ciclos de seca eram suficientes para dotar os gestores de conhecimento e sabedoria que permitiria o isolamento e não seria necessário se conhecer e testemunhar o que outras regiões semiáridas do mundo estão fazendo. Que políticas foram adotadas? Que iniciativas foram tomadas para conviver com o período de escassez mais severa de água? Como se dá a relação de trabalho  entre os públicos e esses com a sociedade?

É importante lembrar que o Semiárido brasileiro é um dos mais bem estudados ao longo dos últimos cem anos e uma das regiões que dispõe de um aparato de redes de coleta de dados climáticos; estudos que tratam do zoneamento agroecológico e ambiental; dos impactos das secas sobre a economia; da dinâmica econômica dos polos regionais de desenvolvimento e dos núcleos localizados.

Na última década, uma iniciativa da FAEPE – Federação da Agricultura do Estado de Pernambuco e do Sebrae PE, intitulada Fórum Permanente de Convivência Produtiva com as Secas, permitiu uma troca de informações e conhecimentos sem precedentes. Promoveu-se seminários com especialistas em políticas, clima, desenvolvimento rural, gestão institucional, agregação de valor de produtos locais. Vieram a Pernambuco estudiosos do Brasil e do exterior compartilhando o que sabiam e o que faziam. Complementando a ação do Fórum, missões de natureza empresarial foram realizadas a um conjunto de países com áreas suscetíveis à secas para se conhecer o que por lá se fazia quando da ocorrência de períodos com precipitação menor que a média. Ficou claro que há a necessidade de se estabelecer um formato de trabalho diferente, com motivos, missões, objetivos e formato distintos daqueles que vêm sendo aplicados na região Nordeste ao longo dos séculos. Não se pode reclamar de falta de conhecimento ou de que não se sabe a quem recorrer em casos de necessidade.

Como parte da família, receba-a bem

Neste exato momento, alguém que viajar de Araripina a Recife verá uma caatinga luxuriante, verde, florida e mesmo em seus estratos mais ralos não demonstrando que abaixo  dessa cobertura vegetal se encontra um solo raso que apesar de fértil tem reduzida capacidade de acumulação de água, com um teor elevado de rochas que ainda não foram trituradas por milhões de anos de uma ação geológica contínua e que em não ocorrendo chuvas por um período de um mês apenas já se nota a vegetação se tornar marrom, pálida e logo mais se nota a exposição do solo esbranquiçado, em áreas arenosas ou avermelhado em locais mais argilosos ao longo desta viagem de Oeste a Leste do estado.

De uma coisa o nordestino não duvida, em algum momento a conhecida e familiar seca volta ao seu convívio e com ela as dificuldades em se alimentar o rebanho, o suprimento de água às cidades e comunidades, a clara redução da atividade comercial e de serviços e a estagnação tão conhecida. Com ela chega também as prescrições imediatistas, o carro pipa, a pressão por aumento de inscritos nos programas sociais; o indulto ao crédito e liberação  geral dos gastos públicos defendidos como ação emergencial para atendimento aos mais necessitados.

Normalmente os resultados são, no mínimo, duvidosos e, apesar dos avanços, não têm surtido os efeitos que políticas bem formuladas e aplicadas têm feito sobre outras regiões e países afora.

Um centro de inteligência e gestão de secas

A gestão de secas no Brasil não se dá de forma orgânica. São dezenas de grupos de trabalho; entes públicos federais, estaduais e municipais; centenas de conselhos, gabinetes de emergência criados para em quadro quase sempre caótico tratar do assunto. Atualmente, por exemplo, a previsão climática e a publicação periódica do Monitor de Secas ficam a encargo da ANA – Agência Nacional de Águas, que com suas dezenas de atribuições terá no quesito seca um objetivo menor de seu trabalho. Muito embora este seja essencial para onze estados da federação.

A proposta que se apresenta tem como base o que se vê em outros países. Há de se contar com uma instituição, instalada no Semiárido, em pleno ambiente onde as secas ocorrem, de modo que em um programa interdisciplinar e multi- institucional possa debruçar sobre o tema em 365 dias ao ano, todos os anos.

Levando-se em consideração a estrutura do executivo no Brasil, o candidato maior a patrocinar uma iniciativa desta dimensão seria o MCTI – Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, considerando a rede institucional de institutos que dispõe.

Aqui se propõe um município do Semiárido, a exemplo de Serra Talhada, a sediar esta iniciativa. Alguns destaque serão relacionadas a seguir: é uma cidade de porte médio capaz de abrigar mais uma instituição de pesquisa ou ensino superior; conta com um número expressivo de instituições de ensino superior; encontra-se no centro geográfico do semiárido e em uma região vulnerável quanto à secas, dispõe de instituições de ensino superior pública que podem albergar um Centro de Inteligência e Gestão de Secas; conta com acesso viário e aéreo; além de haver se tornado um dos centros de referência ao desenvolvimento do estado de Pernambuco

Isto posto, caberá uma análise mais detalhada à sugestão, seguindo-se a mobilização das forças políticas, em primeiro lugar; dos segmentos diretamente afetados por secas; da comunidade acadêmica; do empresariado e comunidade rural avaliar a pertinência e a urgência de que algo seja feito antes que a cíclica seca esteja à nossa frente.

 

1Professor Titular da UFRPE-UAST

Serra Talhada, 13 de abril de 2023