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Pernambuco, 09 de outubro de 2024

Agronegócios

Vossa majestade, o milho

O milho, esta planta longilínea que cresce ao redor de dois metros com um conjunto harmonioso de folhas, pendão e espigas tem origem Americana. 

Postado em 22/06/2023 2023 18:51 , Agronegócios. Atualizado em 23/06/2023 10:56

Colunista

 

O milho nas Américas

As evidências científicas apontam o México e a América Central como sendo seu centro de origem. A mais icônica demonstração de quão importante foi o milho para a formação dos povos meso-americanos é exposta pela iconografia Maia. Para esse povo, o homem foi feito por Deus a partir de uma massa de milho. Talvez Deus, que deveria ser uma mulher, cansada de fazer massa de tamales, um prato com similaridades a uma pamonha que se consome desde a Venezuela até o México, cansada das tentativas de fazer o homem com barro e palha sem um resultado positivo, resolveu tentar outros materiais esculpindo um bonequinho no formato humano com massa de milho amarelo e branco, diz a lenda. Daí surgindo os quatro primeiros seres humanos.

Uma história tão ou mais lógica daqueles que nos ensinaram, especialmente quando a criatura, o homem, conhecendo sua matéria prima passou a usar o grão de milho de mil e uma maneiras. O milho é conhecido como um cereal, uma espécie que produz grãos, mas do ponto de vista técnico também é uma hortaliça, quando seus grãos ainda leitosos ou pastosos são usados crus, em salada ou em tantas outras opções que o mundo inteiro conhece.

Dia São João

Impressionante como determinadas datas marcam nossas vidas. Cresci tendo como referência o Natal. A música natalina sempre me deixou alegre e o mês de dezembro como uma transição otimista para um período que findava e outro prestes a iniciar.

Em Recife me vi contaminado pelo Carnaval, sem dúvida, a festa que hoje se estende por todo o estado, mas ao mudar para Vitória de Santo Antão, passei a conviver com a força do São João.  Os festejos juninos se constituem na principal atividade festiva de todo o interior de Pernambuco. Tudo gira em torno da decoração, da fogueira, do forró pé-de-serra, da quadrilha, da roupa quadriculada, do chapéu de palha, da sanfona de Gonzaga, Dominguinhos e Flávio José e do inconfundível estilo de Assisão. Mesmo com todo este aparato de estrelas, há um inconfundível e presente em qualquer conversa que se estabeleça sobre a festa: a culinária do milho.

Ainda há quem não goste de comidas de milho

O nordestino do interior é acostumado a comer o cuscuz desde criancinha. No Sertão não se exagera em dizer que se come cuscuz três vezes ao dia. Não apenas como cuscuz, mas como pirão, angu, munguzá salgado ou doce. No caso do milho verde, que deixa de ser um cereal e torna-se uma hortaliça, serve-se assado, cozido, como canjica, pamonha, bolo ou, o suco. Além dos derivados de cada um dos pratos mencionados.

Foto Sabor de Mesa

O difícil é encontrar alguém no Agreste ou Sertão que não goste de pratos a base do milho. Há alguns casos, poucos, que são considerados verdadeiros exceções. O sabor é tão mágico que conquista quem de outras regiões aqui se adaptam. Algo incrível.

No Brasil e em vários outros países a segunda mais nobre função do milho é alegrar os espíritos em prestando-se à fabricação de cervejas, conhaques e o famoso Jack Daniels, o uísque de milho. Temo que se em algum momento um dirigente qualquer venha a público admitir a situação de calamidade em que seu país se encontra e colocando em plebiscito o uso do resto dos estoques para alimento ou bebida, o povo, de forma quase unânime descarte o ovo, a galinha e o cuscuz e deixe claro que se o apocalipse se estabeleça desde que não falte à mão uma lata de cerveja.

O futuro de vossa majestade

Daquela cultura mágica que construiu civilizações e, que poucos sabem, definiu o país que é os Estados Unidos, ele se tornou presente em cada casa, em qualquer país do mundo. No caso americano, a situação é emblemática sobre o que é o ser criado pela Deusa Maia. Quando da chegada dos Peregrinos, da Inglaterra. Forçados a migrarem por problemas de ordem política, religiosa e econômica e aportando na costa Leste do país encontraram uma região parecida com aquela de onde vinham, mas que não foi tão receptiva às sementes que traziam de cereais de inverno: trigo, centeio, cevada.

Passaram fome e privação nos primeiros anos até que descobriram que o pessoal local cultivava e usava um outro cereal que não conheciam, o milho. Os povos nativos cederam ou venderam as sementes, ensinaram a arte do cultivo. Passaram-se dois anos até que os imigrantes aprendessem a cultivar e ajustar ao consumo diário. Foi uma maldição para nossos povos. Daí a frente passaram a roubar, saquear as roças, em busca de sementes e de alimento. Esta é a história real e menos nobre da ´conquista` do novo mundo e da história da Nova Inglaterra que deu fruto aos Estados Unidos de hoje.

Coube aos Espanhóis e Portugueses a disseminação da cultura do milho pela Europa e daí para a África e a Ásia. A verdade é que uma cultura que inicialmente representava o manjar dos deuses, após milhares de anos voltou a ser o centro de todas as atenções. Hoje é o cereal mais cultivado em todo o mundo, superou o trigo e o arroz e é inconcebível não faltar o milho na produção de carne e leite e para o cuscuz ou no ´corn flake`, à exceção da cerveja, mas a verdade é que o ser humano teria grande dificuldade em prosperar sem o milho.

Tecnicamente é a cultura que tem recebido a maior atenção por parte das instituições de pesquisa em todo o planeta. Milhares de laboratórios e pesquisadores se dedicam a esta espécie sagrada. No Brasil, por exemplo, há um esforço em curso de desenvolvimento de variedades híbridas adaptadas ao semiárido e que se adaptem às mudanças climáticas em curso. Os resultados começam a ser demonstrados e, obviamente, a região não se transformará em um Cerrado ou em um ´corn belt`, mas com certeza Pernambuco terá uma produção de milho superior ao que, historicamente tem conseguido. Que saudemos àquele que alegra nosso São João e preenche de forma tão digna nossa mesa, vossa majestade, o Milho.

 

1Professor Titular da UFRPE-UAST

Serra Talhada, 15 de junho de 2023