Ainda cabe uma nova Sudene?
Cabe às lideranças políticas, empresariais e formuladores de políticas estarem engajadas na mesma direção. Enterrar definitivamente o discurso da pobreza e da dependência e alimentando de forma saudável a autoestima, mostrar que aqui é algo a ser visto com outros olhos
Postado em 24/08/2023 2023 10:33 , Agronegócios. Atualizado em 24/08/2023 14:57
A inserção do Nordeste no cenário nacional
O nordestino ainda é considerado um irmão distante de parte dos brasileiros. Que o digam as colocações recentes de um governador de um estado do Sudeste. São dois problemas que merecem ser observados. O homem do Nordeste se sente tão brasileiro quanto o indígena, o negro, o descendente de português, holandês, japonês, coreano, chinês, judeu, latino-americano ou de qualquer outra nacionalidade ou povo que deu origem a esta mistura tão interessante e rica. O segundo ponto é que não se considera no direito de ninguém, mesmo por má fé ou ignorância tratar o Brasil que, por quinhentos anos, conseguiu se manter unido em uma nova fonte de desunião e secessão.
O cidadão que conseguiu criar este mito deve ser alguém com ideias bem claras de como se aproveitar da cisão e divisão do país e pauta uma aparente loucura desta com destreza. Ele e seus similares têm uma ideia clara de onde querem chegar. O importante é que o rechaço à ideia foi unânime e acho que somente lhe resta mudar de conversa e, se possível, voltar ao estado normal de alguém que lidera um estado da federação.
As décadas passadas ressaltaram o crescimento de regiões metropolitanas ao redor das capitais dos estados, quase todas elas superando uma população de um milhão de habitantes. Houve avanço na infraestrutura de transporte, hotelaria, cultural e o Nordeste passou a ser um dos destinos preferenciais para o turismo doméstico e internacional. O interior também não ficou atrás e não é à toa que dezenas de cidades nos Agrestes e Sertões se constituem em locais privilegiados de se viver.
A visão de um humanista
Parte desta história recente se deve a um economista paraibano que sonhou por um desenvolvimento equânime, independente, sem preconceito e um país que não se prenderia ao Sul e Sudeste e ao litoral. Celso Furtado foi o mentor desta construção chamada Nordeste e entre sua obra intelectual e de gestor se destaca a construção de um organismo chamado Sudene – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, inicialmente como parte da estrutura do gabinete do Presidente da República na época, Juscelino Kubitscheck, mas que ao longo de anos, inclusive sob a benção de políticos nordestinos que exerceram postos de relevância, se tornar um ser natimorto, chegando ao limite do opróbio em ver ser transferida de um imóvel construído para representar um Nordeste moderno e audaz.
Perdeu relevância, deixou de ser a caixa de ressonância dos anseios regionais, o que era, de fato, seu Conselho Deliberativo, constituído pela direção da instituição e pelos governadores de nove estados da região. Celso Furtado ainda conviveu com a decadência de sua obra devendo ter sofrido em ver seus ideais deixarem de ser considerados e notar que ao longo de algumas décadas de um plano que contemplava a união e o avanços de todos, passou a se ver uma guerra fratricida em que cada ente federativo tentou tirar o melhor proveito do governo amigo e que os demais estados que sobrevivessem, se possível.
Reconfiguração da instituição
Em um passado recente, no início da pandemia do Covid 19, o diálogo entre os estados do Nordeste e o Governo Federal se tornou tão crítico que, não havendo outra opção os governadores nordestinos constituíram um Consórcio que, inicialmente visava uma tomada de decisão comum de enfrentamento à doença, à aquisição e aplicação de vacinas, às medidas preventivas e de controle, mas que desde então se tornou em um fórum legítimo dos governadores.
Neste início de mandato, o Presidente Lula sinaliza pela revisão do papel da Sudene na tentativa de se contar com um centro intelectual, de planejamento e capaz de formular políticas para a região, o que vem em muito boa hora. A escolha da nova direção aponta neste sentido e aos poucos se sente a presença da instituição nas discussões estratégicas para a região, a exemplo do recente lançamento do Novo Pac.
Nesta mudança de atitude se espera que o Semiárido tenha um lugar de destaque. A realidade socioeconômica do interior dos estados do Nordeste é extremamente diferente de duas ou três décadas. A presença de instituições de ensino e pesquisa, o avanço da internet e energias renováveis, além da educação transformaram a região e colocam-na em uma posição privilegiada de crescimento para as próximas décadas. São no mínimo duas dezenas de polos regionais de desenvolvimento nos nove estados, no Norte de Minas e do Espírito Santo que estão aptos a darem a resposta devida a qualquer iniciativa que vise consolidar os avanços obtidos nos planos econômicos, sociais e institucionais.
Ameaças sempre existirão, uma delas são os impactos das mudanças climáticas em curso sobre uma região com um histórico de limitações hídricas e com esses, o fantasma das secas que sempre estão à espreita. São desafios que se encontram à espera de políticas de ciência e tecnologia, empreendedorismo e infraestrutura hídrica que indiquem a direção de um novo cenário.
Que seja sentida sua presença no grande debate nacional
É neste palco que o papel da Sudene se fará relevante. Primeiro de ser mais uma voz assertiva no debate nacional quanto ao desenvolvimento regional e local e, em um segundo momento recuperando o protagonismo em se constituir em um ente que discuta, aponte e estimule novos empreendimentos e novas políticas para a região.
A grande discussão nacional nunca foi tão relevante. Conhecer e apresentar a região não como uma receptora de benesses, mas como um oásis de oportunidade será a diferença. Quer o povo brasileiro, quer o mundo empresarial daqui e de fora do país necessitam saber sobre as mudanças em curso e do caráter permanente que elas representam. O que está em andamento na região Nordeste é o que ocorreu em várias regiões que apresentavam defasagem de impulso e desenvolvimento em outros países, a exemplo dos Estados Unidos e China, ou o caso dos países do Sul da Europa, destacando-se Grécia, Espanha e Portugal.
Cabe às lideranças políticas, empresariais e formuladores de políticas estarem engajadas na mesma direção. Enterrar definitivamente o discurso da pobreza e da dependência e alimentando de forma saudável a autoestima, mostrar que aqui é algo a ser visto com outros olhos. E com o devido respeito.