A Índia e o semiárido: há muito em comum e muito mais o que ser feito
Com as mudanças postas em prática por governos de conotação política distinta que se sucederam a partir de 1985, a taxa de crescimento da Índia oscila entre 7 e 9%, fazendo com que o país seja considerado hoje como a quinta economia mundial.
Postado em 07/09/2023 2023 18:45 , Agronegócios. Atualizado em 07/09/2023 18:47
O grande salto
Durante 190 anos a Índia foi uma colônia inglesa. De um país que tinha 23% do PIB mundial, antes da chegada dos europeus passou a contar com meros 4%, um pouco antes de sua independência. Um final dramático e traumático resultando na divisão do país em Índia e Paquistão e, a partir de uma guerra ocorrida em 1970, a criação de um terceiro país, o Bangladesh.A partir de 1947 até os anos 80, para os leitores mais apressados, consideram que a Índia esteve estagnada, embora seja importante chamar a atenção que seu crescimento econômico foi em média de 3% ao ano, algo que inveja a maioria das nações.
Com as mudanças postas em prática por governos de conotação política distinta que se sucederam a partir de 1985, a taxa de crescimento da Índia oscila entre 7 e 9%, fazendo com que o país seja considerado hoje como a quinta economia mundial.
Em termos tecnológicos, é importante chamar a atenção para o fato de que no último dia 30 de agosto, a Agência Espacial Indiana conseguiu o feito de aterrissar um veículo com todo aparato de pesquisa na face escura da Lua. A primeira nação a conseguir esta façanha.
O século XXI e a ascensão da Ásia
A ascensão da China e da Índia e, de modo geral da Ásia, nos últimos quarenta anos tem sido algo memorável. São bilhões de pessoas que deixaram a linha de pobreza e o continente se consolidou em pouco tempo como o epicentro da economia mundial. Além do mais, com a consolidação do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e o recente convite a outras seis nações a participarem do clube: Argentina, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Egito, considerando o fato de um novo modelo em curso que não necessariamente determinado pelos países ocidentais.
O Brasil conseguiu se acoplar à nova esfera de poder devido ao sucesso de sua agricultura e pelo fato de ser considerado um país fundamental à ordem e ao bem-estar mundial devido ao lugar que ocupa no mercado internacional de alimentos. Não é algo desprezível devido ao fato de que a China, por exemplo, seja o principal parceiro comercial dos dois maiores países da América do Sul.
Um continente desconhecido
O interessante é que a Ásia continua sendo uma grande desconhecida pelo brasileiro de modo geral. A Índia ainda não é vista como a potência que é, mesmo carregando em seus ombros mais de quatro mil anos de história, de ser considerada a maior democracia e o berço de centenas de dirigentes talentosos que comandam as principais empresas dos Estados Unidos e Europa. As imagens que colam são cremação de corpos às margens do Ganges, os animais na rua e a superpopulação para aonde quer que se vá.
Não se menciona suas centenas de universidades de primeira grandeza, seus institutos de tecnologia que rivalizam com qualquer outro do ocidente e o fato de que é na população indiana, do mais humilde ao mais rico, que se encontra a maior reserva de ouro do mundo. Uma pena.
Onde entra o semiárido?
Mas, o que terá em comum o Brasil e a Índia? Do ponto de vista geográfico, a área central do país asiático é preenchida pelo planalto do Deccan, uma grande área semiárida habitada por algumas centenas de milhões de indianos. É nessa região onde todo o solo deve ser cultivado e não há como se imaginar desperdício de água. Onde se pode irrigar, lá está o arroz, a pimenta, as hortaliças e os condimentos. Onde não se vê a presença do sorgo e dos milhetos. Por falar nisto, é importante lembrar que atendendo a uma petição da Índia, 2023 é considerado o ano internacional dos Milhetos, lembrando da importância que representa estes cereais menores` para a segurança alimentar da Ásia e da África.
Coincidentemente, foi em Patancheru, um distrito próximo à Hyderabad que foi instalado o Instituto Internacional de Pesquisa para o Semiárido – ICRISAT, no qual alguns poucos brasileiros tiveram a oportunidade de ser pesquisadores residentes durante seus cursos de pós-graduação, a exemplo dos colegas Aldrovile Lima e Gabriel Maciel, de saudosa memória, de Manoel Abílio de Queiroz que ainda hoje se esforça em capacitar jovens talentos em recursos genéticos vegetais a partir da Universidade do Estado da Bahia, em Juazeiro e este que vos escreve.
O que se pode esperar?
Retorno à Índia, em uma missão técnica pela UFRPE, na próxima semana. Terei a oportunidade de visitar duas universidades e o ICRISAT, instituições localizadas na região tropical da Índia. Espero além de poder fortalecer parcerias em algumas áreas específicas, como no desenvolvimento de cereais e gestão de secas, poder identificar grupos de pesquisa e iniciativas que possam ser úteis a um ou vários programas cooperativos entre nossa escola e a Índia. Talvez não seja uma tarefa tão fácil, mas considerando os avanços das relações internacionais entre os países do BRICS, se aprofundar na cultura asiática é um dever de nossas instituições de ensino e pesquisa.
Chegou um momento de algumas correções. Há cerca de 13 anos, o Brasil instituiu um programa de capacitação de sua juventude no exterior, o Ciência sem Fronteiras, algo considerado um sonho de consumo pela maioria dos países em desenvolvimento. O país previu enviar em pouco mais de quatro anos cem mil jovens brasileiros para estudarem parte de seus cursos de graduação no exterior. Pasmem. Dos setenta mil que conseguiram ser beneficiados pelo apoio governamental, poucas dezenas optaram pela Ásia, muito embora, para quem acompanhava a política internacional, obrigatoriamente as universidades, estarem cientes de que o século XXI demonstraria a pujança e a reconfiguração do continente asiático como principal locus de desenvolvimento na esfera mundial.
Pois bem. Alguns dias após a visita do Presidente Lula que estará se deslocando, quinta-feira, sete de setembro de 2023 à New Delhi para assumir a presidência rotativa do G20, as vinte principais economias mundiais, um professor de uma universidade pernambucana, de seu Campus em Serra Talhada, estará indo garimpar chances de cooperação e programas conjuntos em um país que há quatro mil anos já recebia estudantes estrangeiros para estudar medicina, filosofia em religião em seus templos e escolas.
1 Professor Titular da UFRPE-UAST