Quanto às secas, alguém se move. Já é um ganho
Uma vez que, no Brasil, uma situação de anomalia tem ocorrido no Sul com secas nos últimos dois anos, a questão do semiárido tem sido tratada sem a devida intensidade que merece.
Postado em 12/10/2023 2023 18:51 , Agronegócios. Atualizado em 12/10/2023 18:51
Rede Palma, uma boa iniciativa
Desde o início do ano que esta coluna repercute notícias, relatórios, entrevistas e evidências de que há um aquecimento das águas do Oceano Pacífico com uma grande massa de água em frente ao Peru e que este fenômeno, pelo fato de ocorrer de forma mais clara próximo ao final de ano, recebeu o nome de El Niño. Momento católico que se comemora na época Natalina. Uma vez que, no Brasil, uma situação de anomalia tem ocorrido no Sul com secas nos últimos dois anos, a questão do semiárido tem sido tratada sem a devida intensidade que merece.
Na última terça feira, 10 de outubro, a direção da Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, promoveu o IV encontro da Rede Palma, um consórcio liderado pela Sudene envolvendo universidades, institutos de pesquisa e empresários envolvidos com o desenvolvimento tecnológico dos sistemas de produção de palma forrageira, o que se constitui em uma relevante iniciativa.
É sempre importante lembrar que durante o último período de seca intensa, entre 2012 e 2018, a tecnologia mais importante na mitigação de seus efeitos, manutenção dos rebanhos e da produção de leite na região Nordeste foi a adoção de plantio da cultivar de palma forrageira do gênero Opuntia, vulgarmente denominada Orelha de elefante mexicana, resistente à cochonilha do carmim, um inseto importante nas áreas produtoras do carmim, um corante natural de grande valor mas com efeito oposto em região onde o principal uso desta planta é na alimentação animal.
Também é importante lembrar que este material, identificado pela equipe técnica do IPA – Instituto Agronômico de Pernambuco, quando houve um esforço concentrado à procura de cultivares resistentes à praga, é atualmente cultivado não apenas na região semiárida do Nordeste, mas nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Goiás.
A Rede Palma, após dois anos de hibernação, voltou a ser considerada como algo estratégico pela instituição e reiniciar seu ciclo de apoio político e financeiro às iniciativas de pesquisa e desenvolvimento voltadas à produção de tecnologias aplicadas, incluindo novos materiais a serem disponibilizados aos pecuaristas Nordestinos.
A retomada da atenção à pesquisa e desenvolvimento da palma forrageira é o primeiro passo. Resta aos governos estaduais e municipais organizarem seus programas de difusão de novos materiais, o que já deveria ter sido iniciado há algum tempo e não esperar para aos solavancos e atropelos tentar adquirir raquetes da cultivares recomendadas e iniciar um processo de ´apoio` ao produtor quase como um frenesi no que resulta em baixa eficácia e recursos nem sempre bem investidos.
As mudanças climáticas são reais
Quanto às mudanças climáticas, a situação não parece dar trégua. Nesta semana o Prof. Leonardo Miguel disponibilizou no grupo Leitores do Jornal do Sertão uma cópia de um trabalho, publicado em 2017. A dinâmica climática do semiárido em Petrolina – PE, dos professores Lucivânio Jatobá (UFPE), Alineaurea Florentino Silva (EMBRAPA) e Josiclêda Galvíncio (UFPE) apresentando dados térmicos do município de Petrolina-PE com tendência para acréscimos de temperatura no período de 1961 e 2012; os dados de pluviosidade do município de Petrolina-PE permitem concluir que há uma tendência para diminuição das precipitações anuais no período de 1961 até 2012. Porém neste estudo, os dados trabalhados não contemplam o ciclo de secas entre 2012 e 2018, o que nos traz uma lacuna de relatos como este na literatura técnica ou informativa. Considerando que o estudo deixa claro a tendência de médio e longo prazos, o país está completamente defasado em tomadas de decisão que apontam para considerar a seca como um fator estratégico para o Semiárido e o Brasil.
Caso se projete o cenário para o Sertão nas próximas décadas é de se prever uma temperatura ainda mais alta, chuvas incertas e menos abundantes em breve. Alguém que se debruçasse sobre este quadro, considerando que vários alertas têm sido emitidos há algum tempo, haveria de perguntar que decisões preventivas foram tomadas desde a última seca. De modo organizado e abrangente, muito pouco. Há iniciativas louváveis em curso na FUNCEME, no DEN-UFRPE, no LAPIS-UFAL mas que necessitam ser integradas inclusive com o que está sendo realizado por outros entes que operam na região.
Previsões climáticas ainda são consideradas com grande ressalva, em especial quando se considera cenários além de dois meses, entretanto nunca é tarde para se trabalhar para a montagem de um Monitor de Secas que diariamente esteja sendo atualizado e estudos prospectivos que cheguem às mãos dos interessados automaticamente.
Por que não avançar?
Com a situação se encaminhando para uma luta contínua, não há como se deixar de considerar a gestão de inteligência (dados) e mitigação das secas como responsabilidade de uma entidade que coordene todos os esforços à nível de Brasil.
De forma isolada, como tem ocorrido até então, até para um único problema como é o caso da palma forrageira que não se pode avançar. Também não se pode ser ingênuo em imaginar que esta não seja uma atribuição do governo federal. É ele quem deve tomar iniciativa para investir esforços na conectividade entre suas instituições e, a partir deste esforço em contar com os estados e a iniciativa privada neste desafio.
Ainda a Índia
Por falar em secas, semiárido e mudanças climáticas quando da visita ao Campus da UASD em Vijayapur, ao norte do estado de Karnataka e, elegendo temas com os quais haja identidade para uma agenda de cooperação entre a UASD, a UFRPE e o IPA, por exemplo. Veio à tona a palma forrageira. O Diretor de Pesquisa da UASD, Dr. B. D. Biradar demonstrou grande satisfação em saber que eu estaria vindo de uma região em que se cultivava palma forrageira. Ele havia recebido há poucos dias uma recomendação do governo da Índia, encaminhada a todos os estados que contam com áreas secas da importância em se colocar em curso um programa de difusão da palma forrageira.
O diretor foi claro em informar do pouco domínio sobre o assunto e expressar que ficaria em ver materializada a oportunidade de se contar com a colaboração de professores e pesquisadores de Pernambuco e do Nordeste neste programa.
Em se tratando de outros países e regiões demonstrarem preocupação com as mudanças climáticas em curso e desejo de compartilhar experiências vividas nos diversos semiáridos do mundo, por que não também não se inserir o Brasil neste esforço integrado e múltiplo?
1Professor Titular da UFRPE-UAS