O complexo saúde e a biodiversidade do Semiárido
Com o crescimento e a interiorização da população nordestina foi facilmente detectável que o grande arcabouço da biodiversidade regional era a caatinga
Postado em 09/11/2023 2023 22:48 , Agronegócios. Atualizado em 09/11/2023 22:48
Chás, unguentos, lambedores e infusões
O Africano, similarmente aos povos originários brasileiros, também viveram e vivem de suas plantas e animais mas não conseguiram trazer na sua longa e penosa viagem em navios prisões a grande maioria de seus tesouros da biodiversidade. Algumas espécies alimentares têm registro de origem africana, a exemplo do sorgo, também conhecido como ”milho de Angola” em algumas regiões do Nordeste, do feijão-de-corda ou feijão caupi, dos inhames, mas são raros os documentos que relatam essas introduções.
Com o crescimento e a interiorização da população nordestina foi facilmente detectável que o grande arcabouço da biodiversidade regional era a caatinga. O valor cultural, social, histórico e econômico desse ativo se vê expresso nas feiras livres, principalmente, e nas lojas de produtos naturais, mercado em ascensão em todas as localidades. Do litoral ao sertão.
Dificilmente alguém do interior ou mesmo das capitais não tratou das gripes, das tosses, das coceiras, das manchas de pele, dos vermes, das dores, da insônia, da ansiedade sem recorrer aos medicamentos que eram preparados em sua casa a partir de métodos e processos que haviam sido ensinados pelas avós e bisavós.
Plantas, animais e microrganismos Há uma crescente conscientização, não apenas no Brasil, de que esse patrimônio deve ser tratado com a atenção e esmero que merece, o que dá o arcabouço para o que hoje se denomina bioeconomia. Até o presente se notam avanços no que diz respeito ao uso de plantas, sejam as raízes, caules, folhas, flores ou frutos por tratar-se de produtos que se manuseia com mais facilidade e, normalmente, de longa capacidade de preservação sem necessitar de temperaturas baixas ou equipamentos mais sofisticados.
Quanto aos produtos de origem animal, à exceção do mel e derivados, dos iogurtes, coalhadas e das gorduras, alguns óleos e sebos, pouco se encontra nos mercados e nas feiras semanais. Demandam uma manipulação mais exigente e nem sempre disponível. Há muito o que ser feito com este grupo de espécies, inclusive porque a exemplo das plantas, identificar o que tem de valor biológico e industrial é a mais eficiente forma de preservação das espécies animais do semiárido em processo de extinção. A devastação foi grande e, mesmo arrefecendo-se a caça predatória, continua em prática.
O terceiro grupo contempla os microrganismos. Normalmente associados às doenças em humanos, animais domésticos e plantas cultivadas, entretanto de valor inestimável para a agricultura brasileira e mundial. No caso específico do Brasil é importante que se chame a atenção que o suprimento de Nitrogênio para trinta e seis milhões de hectares de soja é realizado basicamente a partir da fixação biológica deste elemento químico por bactérias que transformam o nitrogênio atmosférico (N2) em moléculas capazes de serem absorvidas e processadas pelas plantas. Ao se falar em fixação biológica de Nitrogênio não há como esquecer de citar o nome da pesquisadora Johanna Dobereiner, uma migrante da antiga Tchecoslováquia que dedicou sua vida no Ministério da Agricultura e, posteriormente na Embrapa Agrobiologia, ao desenvolvimento tecnológico dos inoculantes, produtos usados durante o plantio junto às sementes. Quanto aos microrganismos de modo geral muito pouco tem sido realizado em termos de prospecção, identificação, catalogação, preservação e uso. Com certeza há um longo caminho a ser percorrido.
O INCT para desenvolvimento de produtos à base da biodiversidade do Agreste e Sertão
Ontem, 08 de novembro de 2023, fui apresentado pelos jovens professores Mônica Felts e Luiz Soares, do Departamento de Farmácia da UFPE, uma instituição que a universidade hospeda, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Positiva do Complexo Econômico e Industrial da Saúde Brasileira 4.0, um nome longo e até difícil de se gravar no primeiro momento, mas que desde a primeira lâmina em sua página eletrônica deixa claro seu propósito: Conectando inovação e desenvolvimento sustentável ao desenvolvimento de uma nova indústria a partir dos ativos identificados ou a serem identificados no semiárido que visem novo produtos, a aceleração da indústria regional e a prosperidade às comunidades locais.
Durante a discussão ficou claro o valor estratégico desta iniciativa. Será uma peça fundamental na retomada da industrialização do Brasil e da conexão do Semiárido com a economia 4.0. Este INCT – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, um entre dezenas de consórcios técnico-científicos fomentados ao longo dos anos pelo MCTI – Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, alberga dezenas de universidades e institutos de pesquisa do Brasil e do exterior, propondo-se a contar com um número ainda maior, à exemplo da UFRPE-UAST, dos Institutos, escolas privadas e universidades sertanejas. Não há como se perder a chance de se agregar a algo tão meritoso e potencial.
Desenvolvimento e Negócio
Durante a reunião, a direção do Instituto foi instada a realizar uma visita de reconhecimento ao Sertão e uma rodada de conversa e negócios com os empresários locais. O segmento empresarial será um dos elos mais expressivos dessa cadeia que começa com o agricultor e pecuarista do Agreste e Sertão mas certamente desembocará na atividade industrial e no comércio.
Este diálogo será essencial na definição de prioridades, projetos e nos próximos passos a serem tomados. A essência do Instituto está no diálogo e o símbolo é uma hélice com oito pás em que uma dessas são as empresas. Levando-se em consideração o crescimento do complexo de saúde, a partir de entes públicos e privados em vários municípios do interior do estado de Pernambuco há de se supor que não será difícil o estabelecimento de parcerias e a atração de suporte político e capitais visando o desenvolvimento de novos produtos e processos, nos próximos anos.
Mônica, Luiz e direção do Instituto Serra Talhada e outros municípios do Sertão estão à espera de vocês. A UFRPE-UAST e as instituições representativas dos agricultores, empresários e do complexo saúde ouvirão esta narrativa encantadora com a maior e melhor atenção e participarão dessa trilha, fique certo disso.
1Professor Titular da UFRPE-UAST
Serra Talhada, 09 de novembro de 2023