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O campo mudou. Que mudemos também
Quanto às conclusões do trabalho alguns pontos chamaram a atenção. O agricultor familiar carece de apoio, ele não tem recebido assistência técnica. Poderia crescer caso houvesse uma participação maior de ações governamentais
Postado em 30/11/2023 2023 10:55 , Agronegócios. Atualizado em 30/11/2023 10:55
Geraldo
Exemplos de adoção de tecnologias inovadoras
Durante o Congresso de Economia da Sober, ocorrido em Serra Talhada nesta última semana e comentado nesta coluna, pude participar da apresentação de um trabalho por uma jovem estudante da UFRPE-UAST que nos traz informações relevantes. Em uma pesquisa desenvolvida entre onze agricultores de um município do Sertão, dez estavam utilizando o método de irrigação por gotejamento e sete entre esses contando com a aplicação líquida de fertilizantes, a fertirrigação. Além dos mais, quando se abriu a sessão de comentários e perguntas foi notado que, provavelmente, todos contavam com um celular e acesso à internet.
Relatando o fato entre amigos empresários, um deles fez referência às mudanças ocorridas no imóvel da família nos últimos dez anos, saindo de uma postura onde não se recomendaria o uso de máquinas agrícolas devido ao seu relevo e, no momento dispõe de dois tratores para a execução das atividades de maneira mais rápida e eficiente, além da redução substancial nas despesas com custeio. Adicionalmente aos tratores, as roçadeiras mecânicas manuais usadas no rebaixamento do mato na pastagem passaram a ser adotadas e já conta com cinco, cada uma atribuída a um colaborador. O resultado foi tão marcante que, dois dos trabalhadores compraram roçadeiras para usarem em suas roças e prestarem serviços a terceiros.
Um diagnóstico interessante
Quanto às conclusões do trabalho alguns pontos chamaram a atenção. O agricultor familiar carece de apoio, ele não tem recebido assistência técnica. Poderia crescer caso houvesse uma participação maior de ações governamentais. Em outras palavras, é um ser destituído de relação de trabalho com o que ocorre com o mundo da tecnologia atual.
Vendo a situação com maior atenção há de se notar alguns aspectos a considerar: o primeiro é que o uso de microaspersão ou fitas gotejadoras é o método mais moderno em termos de tecnologia de irrigação, à exceção do uso da aplicação dessas enterradas, o que exige maior perícia, equipamentos que permitam abrir o sulco no solo à uma profundidade uniforme, solos nivelados e um sistema de bombas e filtros que exerçam suficiente pressão para a distribuição dos fertilizantes sem obstrução dos gotejadores.
Já quanto a fertirrigação, ou a distribuição de nutrientes simultaneamente à água, trata-se de uma tecnologia que contou com avanços significativos da engenharia química em conseguir moléculas mais solúveis; da agronomia em identificar formulações que reduzissem os riscos de entupimento, bem como no estudo de compatibilidade entre a qualidade da água e os fertilizantes, além de outros produtos que são utilizados junto com a água como agroquímicos no controle de pragas e doenças de solo, em especial os fungos e bactérias que penetram na planta pelas raízes.
Por último, voltando-se ao uso do telefone celular e da internet. Há de se concluir que o pequeno empresário rural dispõe do telefone, da escola, da informação, do banco, do mercado para compra de insumos e venda de seus produtos, da câmera para registros de fotos e vídeos, do controle para acionar ou programar o devido horário para suprimento de água, bem como para aferir o quanto de energia está sendo gerada por suas placas fotovoltaicas para o consumo em sua atividade rural e em seus imóveis na fazenda ou na cidade.
A tecnologia chega ao campo de forma independente
Os exemplos relatados demonstram que a adoção de tecnologias aplicada às atividades rurais passa por uma revolução de princípios e hábitos. Este movimento independe da participação ou presença do aparato oficial de oferta de tecnologia, embora contando com sua presença os ganhos seriam acelerados e, trazendo à discussão um comentário feito pelo pesquisador Eliseu Roberto de Andrade Alves, primeiro diretor técnico, segundo presidente da Embrapa, “Tecnologia boa não fica em gaveta ou prateleira, ela por si só encontra uma forma de chegar ao agricultor e ao empresário”.
Em considerando-se que este movimento é real e ocorre em todas as regiões do país, não chegou a hora da revisão da cartilha que pauta as ações de transferência de tecnologia e extensão rural? Até que ponto a academia, os agentes de fomento e instituições financeiras estão acompanhando e apoiando as mudanças em curso? Há uma mudança perceptível em relação ao crédito rural que passa a ser visto como um mecanismo de valorização ao conhecimento, sobrepondo-se a mecanismos compensatórios ou que o seguro rural é mais importante do que se cogitar o perdão ou a prorrogação de dívidas em um ciclo sem fim.
Que o terreno esteja pronto para aceitar os novos desafios
Este movimento não pendular aporta desafios à ação de entes que por alguma razão se tornaram defasados e não conseguiram acompanhar a evolução do mundo dos negócios nas últimas duas décadas. Há, em não poucos casos, uma reação quanto ao investimento em educação dos recursos humanos de empresas, instituições de ensino e pesquisa que consideram o ambiente do campo como sinônimo de atraso, desinformação e alijado dos processos atuais de comunicação e gestão.
Neste cenário vale ressaltar o papel das empresas de consultoria, de transferência de tecnologia e de venda de insumos. Elas têm substituído as entidades públicas, seja qual for o tamanho e a tipificação da propriedade. Certamente para que os nossos agricultores contem com sistemas de gotejamento superficial em suas áreas, algum representante comercial ou, em alguns casos, algum aplicativo foi o portador da informação e do conhecimento exigido. Sendo assim, vale a pena uma pausa para avaliação do que está sendo realizado em termos de efetividade dos projetos financiados e, se não seria a chance de, em se aproveitando da disponibilidade da tecnologia que fugiu da prateleira, dos custos acessíveis e do mercado em expansão, não se priorizar o ganho de produtividade e a agregação de valor, o que se traduz em prosperidade e valorização do mundo rural.
Redefinir o discurso e a prática esta será a opção para quem lida com ensino, transferência de tecnologia e extensão rural, no âmbito do que, de algum modo, tem sido implementado pela iniciativa privada, não apenas no que diz respeito à atividade agropecuária mas em todas as áreas da economia.
1Professor Titular da UFRPE-UAST
Serra Talhada, 27 de novembro de 2023