Entre corridas e silêncios: uma análise psicanalítica do equilíbrio na vida contemporânea
Se não arranjarmos um tempinho para ficar na própria companhia, acabaremos entrando numa “corrida dos ratos” – corremos, corremos e parece que não saímos do lugar. O tempo vai passando e tudo se repete: cobrança, temor, cansaço, desequilíbrio, inquietude e uma vida sempre na correria. Cuidar da mente também é dar uma acalmada, e […]
Postado em 08/12/2023 2023 16:14 , Saúde. Atualizado em 08/12/2023 16:12
Se não arranjarmos um tempinho para ficar na própria companhia, acabaremos entrando numa “corrida dos ratos” – corremos, corremos e parece que não saímos do lugar. O tempo vai passando e tudo se repete: cobrança, temor, cansaço, desequilíbrio, inquietude e uma vida sempre na correria.
Cuidar da mente também é dar uma acalmada, e é aí que o silêncio nos ajuda, pois, pacificar o ser nada mais é do que estar no presente, prestando atenção no hoje para que cada instante seja de fato um presente.
Ao encarar a complexidade do ser humano nessa frenética corrida da vida, me vem à mente Freud, o cara que começou a desbravar as camadas mais profundas da mente, o inconsciente. Ele já falava que a repetição de padrões na vida de alguém reflete não só os desejos conscientes, mas também aqueles desejos, impulsos e até traumas que estão no inconsciente.
A expressão “corrida dos ratos” é usada para descrever um esforço sem fim, uma parada comparada à corrida de um rato de laboratório, tentando escapar, correndo dentro em uma roda para testes científicos. Resumindo, significa ficar nesse ciclo vicioso de trabalho contínuo, buscando dinheiro para pagar dívidas.
Essa metáfora da “corrida dos ratos” traz-me a noção freudiana de “compulsão à repetição”. Esse constante correr, correr, sem sair do lugar, pode ser interpretado como uma manifestação de impulsos inconscientes buscando expressão, mas que, muitas vezes, acaba em estagnação.
O silêncio, nesse contexto, tem um papel crucial. Winnicott, por exemplo, destacava a importância do “espaço transicional” – a transição do mundo subjetivo (mundo interno) para o mundo objetivo (mundo externo). Nesse local, o indivíduo pode se reconectar consigo mesmo, livre das demandas externas.
Portanto, aquietar a mente torna-se um processo de habitar esse espaço, permitindo a integração de partes fragmentadas da psique. Hoje em dia, com tantas distrações e informações, dar uma acalmada parece ser desafiador.
Cuidar da mente, à luz da psicanálise, vai além da busca pela estabilidade emocional. Torna-se uma exploração das raízes dos conflitos internos, uma jornada rumo ao entendimento e reconciliação com o passado. O presente, então, surge como uma oportunidade de trazer à consciência o que antes permanecia no escuro do inconsciente.
Ao praticar a contemplação e o silêncio, a pessoa se entrega a uma forma de autoanálise. Jung argumentaria que esse processo não só acalma a mente, mas também promove a individualização, o desenvolvimento pleno do self. O silêncio vira o palco onde os arquétipos internos podem se manifestar e serem integrados de maneira saudável.
Nesse diálogo com a psicanálise, a corrida incessante pode ser vista como uma defesa contra a ansiedade e os conflitos intrapsíquicos. O movimento constante, muitas vezes, serve como uma distração para evitar a confrontação com as verdadeiras questões subjacentes. É como se o indivíduo estivesse fugindo do próprio mundo interno, perpetuando um ciclo que Freud chamaria de “recalque”.
A prática do silêncio, então, assume contornos de um espaço psíquico seguro, onde as resistências podem ser desconstruídas. Winnicott destacaria a importância desse “espaço potencial” para a saúde mental, permitindo que o sujeito explore suas angústias e encontre maneiras criativas de lidar com elas.
No âmbito da teoria dos sonhos, tão presente na psicanálise, a quietude da mente pode ser comparada a um estado semelhante ao sonhar acordado, onde conteúdos inconscientes emergem. Jung, por sua vez, argumentava na psicologia analítica que esse mergulho interior proporciona um contato mais íntimo com o “inconsciente coletivo”, possibilitando o acesso a símbolos e imagens arquétipas que influenciam profundamente a psique.
Ao cuidar da mente, estamos, de certa forma, conduzindo uma análise profunda de nós mesmos. Lembro-me de uma aula na pós-graduação em filosofia e autoconhecimento, na qual o professor Mihaly Csikszentmihalyi enfatizou que a atenção ao presente, preconizada por diversas correntes da psicologia, alinha-se à noção de mindfulness, promovendo uma consciência plena que transcende a simples observação, alcançando uma compreensão mais profunda da experiência subjetiva.
Assim, na teia psicanalítica, a pausa para o silêncio não é apenas uma estratégia de escape, mas uma ferramenta terapêutica poderosa. É um convite para explorar os recantos mais profundos da mente, enfrentar as sombras que impulsionam essa “corrida dos ratos” e, finalmente, encontrar um equilíbrio mais genuíno entre o tumulto da vida cotidiana e a serenidade do self interior.
Portanto, na encruzilhada entre a “corrida dos ratos” e a pausa contemplativa, a psicanálise oferece uma lente valiosa para entender não apenas os sintomas, mas também as raízes psíquicas da agitação. O silêncio, quando integrado a esse processo, transforma-se em um instrumento terapêutico capaz de abrir portas para a compreensão, aceitação e, eventualmente, a transformação do Eu.
Daniel Lima, psicanalista.
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