Desconectando para Reconectar: Benefícios de Reduzir o Uso do Celular e o Impacto da Lógica Neoliberal
Desconectar-se do celular e das demandas da lógica neoliberal oferece um espaço vital para reflexão e autocuidado. Ao desacelerarmos e priorizarmos o bem-estar em detrimento da produtividade, podemos começar a construir uma sociedade mais compassiva e menos orientada pela pressão de produzir incessantemente.
Postado em 30/04/2024 2024 17:51 , Coluna Psicanálise no Cotidiano. Atualizado em 30/04/2024 20:51
Em um mundo dominado pela rapidez e pela constante demanda por atenção, o celular se tornou mais do que um dispositivo; é uma extensão de nossa própria existência. Contudo, ao nos permitirmos desconectar dessas tecnologias, abrimos espaço para benefícios substanciais à nossa saúde mental. Diminuir o tempo gasto em frente às telas pode aprimorar nossa concentração, aliviar o estresse e enriquecer nossas relações interpessoais.
A prática da atenção plena emerge como um dos primeiros ganhos ao limitarmos o uso do celular. Livres das incessantes notificações e da compulsão por checar as redes sociais, conseguimos focar melhor nas atividades que realizamos, elevando não apenas nossa produtividade, mas também a qualidade do nosso trabalho e estudo. Isso nos permite mergulhar mais profundamente nos temas que realmente nos interessam.
Com menos tempo dedicado às telas, sobra mais espaço para o autocuidado. Meditação, exercícios físicos e hobbies preenchem o vazio deixado pelo incessante deslizar de dedos na tela, promovendo relaxamento e bem-estar, além de combaterem sintomas de ansiedade e depressão. Essas práticas são vitais para manter uma mente equilibrada e satisfeita.
A diminuição do uso do celular também traz melhorias significativas para nossas relações sociais. Desconectar-se das telas nos reconecta com aqueles ao nosso redor, enriquecendo as conversas presenciais e fortalecendo os laços afetivos. Afinal, somos seres inerentemente sociais, e nosso bem-estar emocional depende dessas interações significativas.
Outro benefício de restringir o uso do celular é a melhoria na qualidade do sono. A luz azul emitida pelos dispositivos pode desregular nosso ciclo circadiano, resultando em distúrbios do sono. Estabelecer uma rotina livre de telas antes de dormir é fundamental para garantir um descanso reparador, essencial para uma mente saudável.
A lógica neoliberal, com sua ênfase exacerbada na produtividade e no sucesso individual, impõe uma pressão constante para estarmos sempre conectados e em estado de produção. Essa exigência pode ser prejudicial à saúde mental, induzindo ansiedade e estresse crônicos. A necessidade de estar sempre disponível e a busca incessante por reconhecimento nas redes sociais podem intensificar sentimentos de inadequação e isolamento.
Essa lógica promove a ideia de que o valor do indivíduo está atrelado à sua capacidade de produzir e consumir, desvalorizando experiências humanas não quantificáveis, como momentos em família ou o engajamento em atividades de lazer. A saúde mental, nesse contexto, torna-se secundária à produtividade, e o autocuidado é muitas vezes negligenciado.
Desconectar-se do celular e das demandas da lógica neoliberal oferece um espaço vital para reflexão e autocuidado. Ao desacelerarmos e priorizarmos o bem-estar em detrimento da produtividade, podemos começar a construir uma sociedade mais compassiva e menos orientada pela pressão de produzir incessantemente.
A desconexão é, portanto, um ato de resistência contra a lógica neoliberal. É uma reafirmação do valor intrínseco do ser humano, independente de sua produtividade. Ao nos permitirmos desconectar, estamos reafirmando a importância da saúde mental e do bem-estar em uma sociedade que frequentemente valoriza o oposto.
Zygmunt Bauman e Sigmund Freud, cada um à sua maneira, contribuem para a compreensão desse fenômeno. Bauman, com sua visão de uma sociedade líquida, onde as relações são efêmeras, e Freud, com a importância do tempo de inatividade para a saúde mental, ambos ressaltam a necessidade de momentos de desconexão. Assim, reduzir o uso do celular não é apenas uma questão de evitar distrações, mas também uma forma de resistir à pressão de estar sempre online e produtivo, buscando um equilíbrio saudável entre o mundo virtual e o real.
Daniel Lima, teólogo, filósofo e psicanalista.
Psicanalista membro do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi – GBPSF.
Pós-graduado em ciências humanas: sociologia, história e filosofia.
Pós-graduado em psicanálise e teoria analítica.
www.psicanalisedaniellima.blogspot.com
daniellimagoncalves.pe@gmail.com
@daniellima.pe