
Ano seco. Exceção ou início de um ciclo?
A roda gigante do clima
Postado em 13/04/2025 2025 13:21 , Agronegócios. Atualizado em 13/04/2025 13:21
O negacionismo quanto aos efeitos negativos da ação humana sobre o clima do planeta terra venceu as vozes de alerta por um longo período. Para os céticos, o que temos presenciado em termos de anomalias climáticas é algo normal e os ciclos geofísicos do universo as explicam. Entretanto, está provado de modo consistente que a ação humana e a aceleração no uso de combustíveis fósseis desde o início do século passado têm acelerado o aquecimento global e os fenômenos extremos ocorridos, quer sejam enchentes, tufões, maremotos ou secas, dependendo da região.
Em anos recentes, o Semiárido brasileiro contou com precipitações médias ou um pouco acima, entretanto, em 2024 o Brasil foi alvo de uma seca de grande proporção atingindo 60% do território nacional, em destaque a região Amazônica Sul-Ocidental. O interessante é que apesar da seca ocorrida na região Nordeste entre 2012 e 2018 ser considerado algo catastrófico, alguns institutos de estudos climáticos não a consideram entre as mais intensas ocorridas no país nos últimos vinte anos. Em outras palavras, as secas se inseriram na agenda nacional deixando de ser uma característica do nordeste seco.
A função dos programas sociais
O principal objetivo de programas sociais como o Bolsa Família é a mitigação da fome e a assistência à fração mais vulnerável da população. Algo que tem provado ser uma medida correta. Evitando-se os abusos e os crimes de malversação de dados e recursos, não há quem em bom senso não deixe de reconhecer os pontos positivos de tal esforço. Evitar situações de calamidade e levante social é estratégico e a ausência de registro de saques em feiras livres ou invasões de estabelecimentos comerciais é um claro demonstrativo da efetividade da política. É algo tão relevante que, durante esta semana, por exemplo, vários jornais americanos anunciam que devido a situação de calamidade em que está se desenhando a economia daquele país, em breve haverá saqueamento de supermercados e lojas de alimentos devido, principalmente para a população mais vulnerável não apresentar condições de adquirir os produtos básicos.
Literalmente uma tragédia em curso para a maior economia mundial.
A seca, um fenômeno previsto, logo administrável
Qualquer revisão sobre a ocorrência de secas na região Nordeste destaca uma série de ocorrências que se estendem de um a oito anos, nos casos mais graves. Sendo assim, há de se considerar tratar-se de algo previsto, embora não precise como se esperasse. Significa dizer que entre seca há um intervalo de tempo que permite avaliar os danos, reconstruir e planejar para ocorrências futuras.
Normalmente, a seca deixa registros de sinistros na região , população descapitalizada, imóveis rurais abandonados, perda de rebanhos, deslocamento das pessoas para as cidades. Poucos são os estudos que se preocupam em avaliar o impacto psicológico e psíquico da seca sobre a população. Qual a reação de milhares de produtores, destacando-se os pequenos e médios, que se veem obrigados a vender suas reses a preços inferiores ou dividir com alguém que conte com uma área de pasto aquilo que representa o principal capital de uma propriedade rural no semiárido?
Pouco se poderia falar do apoio aos que foram afetados visando a reconstrução do seu patrimônio, as propriedades, os animais, as tomadas de água, os açudes ou poços. As principais iniciativas de gestão são o decreto de calamidade pública, a contratação de milhares de carros-pipas, a renegociação e perdão de dívidas que nem sempre abrangem a totalidade de quem vive no campo e muito menos aos negócios urbanos afetados.
Já foi comentado em outros momentos que este modelo de reação transbordou o Nordeste e é empregado para qualquer seca seja ela onde ocorra. Esta é a realidade, por mais contundente seja a tentativa de justificativa.
A vulnerabilidade da gestão
Em as secas sendo previsíveis é importante chamar a atenção para o fato de que elas são tratadas como tal. Há alguns anos uma iniciativa do Sebrae/PE e da Federação de Agricultura de Pernambuco – FAEPE permitiu que lideranças do estado conhecessem experiências, políticas, tecnologias e arranjos que alguns países contam com clima árido e semiárido adotam em relação a secas, com visitas, em missões anuais ao México, Estados Unidos, Espanha, Israel, Austrália e África do Sul.
Os Estados Unidos da América, por exemplo, contam com uma entidade mantida pelo governo federal e estaduais, o Centro Nacional de Mitigação às Secas – NDMC, responsável por acompanhar o trabalho de centenas de pesquisadores e professores distribuídos entre algumas centenas de instituições quanto aos aspectos de previsão e acompanhamento do clima, de dezenas de entidades privadas nos diversos estados sobre a dimensão e o efeito das secas e as medidas de convivência, bem como as agências governamentais e bancos privados responsáveis pelo financiamento da atividades agrícolas. Cada país tem suas características e com elas aprendem como se deve se construir um esforço de convivência e reconstrução.
A Austrália, por exemplo, se destaca como aquela que melhor tem a oferecer quanto ao quesito gestão de recursos hídricos. A escassez presente na maioria de seu território levou os australianos a desenvolverem sistemas de uso, remuneração algo que se assemelha ao que é empregado no Brasil quando o tema é energia elétrica. Na realidade o que deve ser dito é que dentro e fora do país existem exemplos a serem avaliados de forma que algo diferente seja posto em prática.
A maioria dos estados nordestinos estão chegando ao final do período chuvoso com números preocupantes. Sabe-se ainda que não há como se encarar um fenômeno de dimensão regional com medidas locais ou mesmo estaduais. Logo é salutar que o governo federal, aquele que é acionado como principal, se antecipe e crie as condições para que a história não se repita de modo trágico. Que se procure de modo sensato fazer o dever de casa. Caso contrário é ficar refém de forças antagônicas do desenvolvimento regional. Aqueles que vivem do caos, da pobreza e das emergências.
1Professor Titular da UFRPE-UAST