Retrospectiva 2020: Um Sertão Forte e Conectado
O Sertão que mostrou sua força no ano da pandemia
Postado em 30/12/2020 2020 21:39 , Ciência e Tecnologia, Últimas Notícias. Atualizado em 30/12/2020 22:47
Dizer que o ano de 2020 não foi fácil já virou clichê. Ele foi classificado como o ano da morte, da doença, da escassez, dos desastres, do preconceito, da violência e do medo. No entanto, é preciso enxergar que toda dificuldade exige uma ação à altura. O isolamento foi a resposta imediata ao vírus.
E no Sertão? Ele mostrou o óbvio, que está sim conectado, ligado ao mundo e pronto para superar qualquer desafio.
A força das gestantes na pandemia
Segundo dados mais recentes do IBGE, só no Sertão pernambucano, foram 15.916 nascidos vivos registrados em 2019. Já na estatística de 2020 entrou a pequena Manuela, primeira filha da jornalista Amanda Franco, de 33 anos. Ela descobriu a gestação em plena pandemia causada pelo novo Coronavírus e atuando como repórter de rua no município de Petrolina, ou seja, entre os profissionais que ficaram na linha de frente dessa guerra contra um inimigo invisível e altamente perigoso.
“No mês de março, começou a fechar tudo. E no mês seguinte, abril, eu descobri que estava grávida. Apesar de estar realizando um sonho, eu estava muito feliz, mas com muito medo. Então, a vida, que já não estava normal, ficou pior ainda porque eu fiquei apavorada”, relatou a jornalista.
Como se não bastassem todas as restrições necessárias para conter a doença, Amanda precisou redobrar os cuidados. Ela desenvolveu diabetes gestacional e trombofilia, condição em que as veias e artérias são obstruídas por coágulos. Isso pode provocar inchaço e alterações na pele, desprendimento da placenta, pré-eclâmpsia, restrição no crescimento do feto, parto prematuro e até aborto.
Nesse cenário, os contatos com os médicos precisaram ficar cada vez mais frequentes ao longo da gestação. Além da obstetra, Amanda precisou ser acompanhada por um nutricionista e um hematologista, além de fazer exames com mais frequência do que o esperado. Em meio a essa enxurrada de consultas, com o aumento no número de casos no município, um App bem conhecido serviu como facilitador. “O hematologista fazia a avaliação do ultrassom pelo WhatsApp e me deu todas as instruções”, relatou.
Home school: Educar e aprender em casa
Aos trancos e barrancos, o WhatsApp também tem sido essencial para os alunos da rede estadual de ensino em Petrolina. Ana Cléa de Souza é professora de português em uma escola no Núcleo 8 do Perímetro Irrigado Nilo Coelho, zona rural da cidade. Assim como os demais profissionais da educação em todo o Brasil, ela teve que buscar alternativas acessíveis para levar o aprendizado aos alunos.
“A gente não está preocupado apenas em fazer a nossa parte. A gente quer que o aluno aprenda.
A nossa escola ainda é muito centrada no professor. Os nossos alunos não têm autonomia para fazer seus horários de estudos. Além disso, têm as dificuldades de cada família. Às vezes só uma pessoa da casa tem celular e são quatro filhos que precisam do aparelho para estudar. Então, não basta o professor ter as ferramentas, enviar as atividades, enviar os vídeos. Não basta ter o canal direcionado a isso, se o nosso público não tem essa maturidade”, afirmou a professora. Mas Ana comemorou que essa realidade da escola pública tenha sido escancarada e espera que os agentes públicos ajam.
A professora Ana também é mãe de Marina, uma menina de 8 anos que precisou ter disciplina para acordar cedo todos os dias e fugir das distrações de casa para acompanhar as aulas online. “A gente via como era difícil. Ela faz 3º ano, então na cabeça dela estar na escola é para brincar e também para aprender, a convivência com os colegas, com a professora, com o ambiente escolar. Então, minha filha sofreu muito. E a gente via na professora essa preocupação em não desistir, em cativar os alunos todos os dias”, descreveu a mãe.
Para Ana Cléa, que já cumpre os dois papeis bem antes da Covid-19, as aulas remotas trouxeram um bônus: a valorização do professor pela família do aluno. Com a exigência imperativa da participação dos pais nas atividades escolares, os relatos de reconhecimento se multiplicaram. “Foi uma coisa que a pandemia mostrou, e eu espero que as pessoas não esqueçam, que é valorizar o trabalho do professor. E também não perder o hábito de participar da vida escolar das crianças e jovens”, pontuou.
Home office: trabalho seguro na pandemia
Em 2020, as casas viraram salas de aula e também locais de trabalho. Uma transição que não foi simples para todos os trabalhadores. Porém, para alguns deles, como a gerente administrativo de uma agência de marketing e propaganda de Petrolina, Maíra Coêlho, a distinção de home office e office home foi concluída com sucesso. Ela conseguiu se organizar, fazer os intervalos de almoço e, principalmente, começar e encerrar o expediente nos horários corretos. “A dificuldade é que você está na sua casa e, ao mesmo tempo, está no seu local de trabalho. Então, eu estabeleci uma rotina. Com o tempo, fui me organizando, colocando o despertador para não perder os horários”, comemora Maíra, destacando que o melhor de tudo é continuar empregada, ficando em casa e reduzindo o risco de contágio da doença.
Além de experiência exitosa do home office, a pandemia também impulsionou outro negócio de Maíra, as vendas como consultora de uma empresa de perfumes e cosméticos. Assim como ela, que é fã do serviço de delivery, muitos clientes estão preferindo fazer os pedidos no espaço virtual de vendas dela ou entrar em contato com a vendedora pelo WhatsApp mesmo. “As vendas presenciais mantive de forma online. E com as pessoas evitando ir ao comércio, o aumento no meu faturamento mensal foi de 40% ou mais. Acredito que a pandemia tenha antecipado em alguns anos o que iria se transformar o comércio. E eu acho que a internet só não tem um volume de vendas maior porque muitas pessoas ainda não sabem usar o E-commerce”, opinou a consultora.
O delivery do Sertão que bombou
Neste ano, a economia não parou porque o delivery não deixou. Como bares, lanchonetes, restaurantes fechados e um consumidor com medo de sair de casa para ir até no comércio considerado essencial, como supermercados, farmácias, padarias, recorrer às entregas em domicílio salvou muitas vidas e muitos negócios. Por isso, virou destaque no Jornal do Sertão o maior aplicativo de delivery do Nordeste, que é sertanejo.
O Pede Aí foi a primeira start up da região a fechar uma parceria com a Coca-Cola. Hoje ele garante 40 empregos diretos e mais de 500 indiretos. Até o início de dezembro, o App registrava cerca de 700 mil downloads e mais de 8 mil estabelecimentos comerciais estão cadastrados. Só em Petrolina-PE e Juazeiro-BA, locais onde o Pede Aí surgiu, foi criada uma frota de entregadores composta por 600 motoboys. E como para crescer é preciso inovar, mesmo tendo como forte o food services, a plataforma ampliou o leque com distribuição de bebidas, mercado, gás, farmácia e até recarga de celular.
Reinvenção que traz resultados
Além do pessoal que trabalha com delivery, quem se reinventou também ganhou durante a pandemia. Antônio Filho é estilista. Depois de uma temporada de 30 anos em São Paulo, retornou à cidade natal, Petrolina, em 2019. A meta era se estabilizar na região produzindo vestidos de festa. Mas 2020 chegou e com ele a temida Covid-19.
Com as festas proibidas pelo Governo de Pernambuco, casamentos, formaturas, aniversários e batizados tiveram que ser cancelados. “Então, passou o primeiro, o segundo, o terceiro mês e eu não conseguia ganhar um real, nem para pagar as contas fixas com funcionários e loja. Quando foi em um final de semana, inventei de fazer pasteis e coloquei no meu Instagram. É que tenho um bar itinerante, que abro de vez em quando, na garagem do meu ateliê e vendo as comidas que eu gosto de fazer. Aí o Pastel do Tonho ficou famoso também”, resumiu o estilista.
Mas o caminho que parecia mais simples para sair da crise, acabou mostrando outra saída inusitada. Os pasteis começaram a ver vendidos por delivery e as entregas eram feitas por Antônio e pelo cunhado dele. Um dia, sem encontrar máscaras em farmácias, ele resolveu usar sua habilidade em costura para confeccionar o equipamento de proteção para ele e a equipe. Elas acabaram chamando a atenção dos consumidores dos pasteis. “Foi um sucesso. Coloquei nas minhas redes sociais e virou mesmo um objeto de desejo, porque além de bonitas eram confortáveis. Eu não sabia nada, mas estudei anatomia das máscaras e melhores tecidos”, contou Antônio.
Tempos depois, uma das clientes perguntou se ele fazia scrub. Antônio pesquisou e descobriu que se tratava de roupas sanitárias usadas por cirurgiões, enfermeiros e médicos. O estilista aceitou o pedido e logo recebeu outra encomenda de uma amiga médica, :para fazer jalecos. “Estou vestindo as mais belas de Petrolina, Juazeiro, da região, do Nordeste e até de outros estados do Brasil. Inclusive estou montando uma estrutura para, a partir do ano que vem, viver disso. Eu estou super feliz. Me reinventei em plena crise. E hoje estou fechando o ano com gratidão, com amor e falando para Deus: – Você é o cara!”, finalizou o estilista, garantindo que as roupas de festas ainda têm espaço garantido no ateliê.
As famílias e o novo normal
Gratidão e fé são sentimentos que nunca abandonaram a família da radialista Nélio Lino. Uma família grande, famosa em Petrolina por ser extremamente acolhedora e amar uma boa farra. E se não fosse uma tal de pandemia, o Natal deste ano teria, no mínimo 30 pessoas na casa da matriarca da família, a também radialista Inah Torres.
Desde março, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou que o mundo estava ameaçado pelo novo Coronavírus, a rotina na casa de Dona Inah mudou. Todas as visitas foram suspensas e ela passou algumas semanas se comunicando com os filhos e netos apenas pelo celular. Mas, aos 87 anos, o isolamento social total não estava fazendo nada bem à radialista. Por isso, uma das filhas, Norma Aquino e seu esposo, José Antônio, decidiram se isolar na casa da matriarca. Os outros parentes começaram a visitar, mas ficavam apenas na área externa da casa, conversando com Dona Inah de longe.
Além do amor, é a tecnologia o elo que está ajudando a manter a união dessa e de milhões de outras famílias. “Os grupos de WhatsApp, por exemplo, foram muito importantes para gente animar um ao outro, falar da saudade, da falta que a gente estava sentindo e também saber notícias de Dona Inah e dos familiares que estão fora da cidade. Então, acho que nos aproximou muito mais e nos deu oportunidade de, num momento de isolamento, estamos juntos tecnologicamente”, avaliou Nélia.
Sobre 2021 e o chamado “novo normal”, a radialista é otimista e lembra que o sertanejo tem razões de sobra para acreditar no futuro. “Tanto minha família, como o nosso Sertão sairão dessa pandemia muito mais fortalecidos. Muito mais resilientes e com a fé em Deus mais fortalecida. Esse foi um ano que nos ensinou a ter mais amor ao outro, a nos colocarmos no lugar do outro, a sermos mais solidários, mais empáticos. O que veio para o Sertão para dizer que ele sairia fortalecido foram as chuvas. Há décadas que a gente não via o Rio São Francisco tão cheio, tão próspero. E isso é Deus mostrando a gente que tudo será melhor”, enfatizou Nélia Lino.
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