A nova agricultura familiar, a Coalizão Nordeste
Pedro Sisnando e Carlos Matos, dois cearenses que merecem respeito e atenção
Postado em 05/09/2024 2024 18:51 , Agronegócios. Atualizado em 05/09/2024 18:52
Tenho acompanhado com atenção a gestão da pasta de agricultura em alguns estados do Nordeste. Neste processo conheci o Dr. Pedro Sisnando, ex-Secretário de Agricultura do estado do Ceará, um digno professor conhecedor da economia rural nordestina e alguém que não se contentava em ver as políticas públicas não atingirem ao pequeno e médio produtor. Em um movimento que devo considerar extremamente ousado, o governador Tasso Jeiressati entendeu uma narrativa que lhe foi apresentada por um jovem empresário quanto à necessidade de se acelerar com o processo de desenvolvimento agropecuário, otimizando o uso dos recursos, do conhecimento e do acesso ao mercado. Este cidadão a quem me refiro é o amigo Carlos Matos, com quem convivo desde a década de 90. Um longo tempo, convidando-o a gerir a Secretaria de Agricultura Irrigada do estado do Ceará. Em outras palavras, o estado passou a contar com dois bons gestores em busca do que ser feito em uma pasta que normalmente não é encarada como de base econômica, quase sempre indo para o puro assistencialismo.
Pedro Sisnando assentou a lógica do que seria o programa de apoio à agricultura familiar, adotado a nível nacional pelo então presidente Fernando Henrique, desde a concepção do empréstimo, da assistência técnica até a abordagem ao mercado. Na realidade parte de suas ideias foram sementes na construção do MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário, que com uma breve interrupção de um mandato presidencial, persiste sendo um dos pilares ao apoio àqueles que fazem a agricultura familiar tradicional.
O Carlos Matos encantou-se com o que viu em alguns países, dentre esses Israel e passou a ser um paladino pelo fortalecimento da agricultura irrigada no Ceará. Um estado que até então não se destacava nesta atividade.
Uma abordagem diferente
Os resultados obtidos são no mínimo considerados arrojados. O Ceará passou a ser o maior produtor de rosas do país, uma atividade que sofreu severamente com a pandemia mas que se encontra em pleno processo de reconstrução, passou a ser um grande produtor de frutas, a exemplo do melão, tem reorientado a política da cajucultura, antes uma atividade quase extrativa, transformou o Porto de Pecém em uma alternativa de escoamento de frutas ao exterior, recebendo cargas de frutas não apenas do Rio Grande do Norte e do Ceará mas também de Petrolina e, pasmem refez o conceito de produção de leite, hoje uma atividade consolidada e que conta com um dos mais importantes laticínios nacionais, a empresa Betânia.
Claro que uma estratégia ousada desta magnitude não iria contar com a unanimidade em local algum, em particular por segmentos e instituições presas a um conceito de agricultura familiar que visa, com retidão o lado social mas que muitas das vezes exagera no clientelismo e não vê que cada imóvel rural, independente de seu tamanho e localização é uma unidade e negócio. Esta abordagem tem sido rigorosamente seguida por Carlos e alguns dos que fizerem parte de sua equipe a exemplo do amigo Francisco Zuza. A verdade é que, nos últimos trinta anos, a busca pelo novo e a busca pelo progresso social e econômico do mundo rural não continua sendo seu mantra, do qual, diga-se de passagem, tem em mim um crente e adepto.
Exemplos não nos faltam
Nos últimos sete anos tenho acompanhado e sido seu parceiro no planejamento de um evento denominado Água Innovation, que ocorre em Fortaleza, anualmente. O título do fórum deixa claro a inquietude com o trivial e ao longo deste tempo os produtores e formuladores de política do Ceará tiveram a oportunidade de contar com especialistas de renome e conhecimento, do Brasil e do exterior discutindo as opções mais prováveis para o uso limitado de recursos, a exemplo da água, em sistemas de produção competitivos em busca da valorização dos produtos no mercado.
Desde há dois anos, Carlos Matos, vem insistindo em uma outra iniciativa, denominada Coalizão Nordeste que busca identificar os exemplos mais bem sucedidos de produtores na região, nas principais cadeias produtivas, convidando-os a compartilharem seus conhecimentos e ao mesmo tempo ficarem atentos para o fato do que conseguiram até aqui foi apenas um início. As mudanças tecnológicas e sistemas e produtos inovadores disponíveis foram exponenciados desde a pandemia e não se justifica estar centrado em um conjunto de propostas que não avançam além do crédito subsidiado, o seguro rural que se tornou uma política permanente, a renegociação e a dispensa de dívidas.
A Coalizão em prol de uma mudança consistente e estratégica
A última reunião do Fórum Coalizão Nordeste ocorreu há poucos dias , momento em que se contou com a presença da empresária Lara Sechi, da empresa Gran Valle, cuja principal fazenda se localiza no município de Casa Nova, Bahia. Seu pai, Senhor Gilberto Sechi chegou jovem à Petrolina e até concentrar seus negócios nas culturas da manga e da uva tentou várias opções passando pelo tomate industrial e a cebola, quando o conheci.
Hoje, esta empresa tem uma sólida reputação no mercado brasileiro de frutas e sucos e exporta para uma dezena de países, em todos os continentes. A gestão dos negócios ficou ao encargo de duas jovens empresárias, Lara e sua irmã e o Sr. Gilberto Sechi como presidente do Conselho de Administração e principal ´consultor` para aquelas que seguram o timão. Alguém comentou no bate papo após uma breve apresentação de Lara que ali está a demonstração de uma saudável transição entre gerações, um mérito que nem sempre é alcançado no mundo empresarial.
Um outro fato importante trazido pela Sra. Lara é que a empresa conta com aproximadamente duzentos produtores associados e em uma iniciativa também ousada incorporou definitivamente a produção de ovinos nos pomares de manga e uva. Algo tentado em vários momentos mas nem sempre se chegando a uma razoável equação financeira.
Além de vir enaltecer o sucesso deste empreendimento, a Gran Valle, merece ser realçado a importância de empreendedores, mesmo visionários, como Carlos Matos que não arrefecem a chama de crer que há uma mudança aos nossos olhos e que não se pode deixar de reconhecer que o mundo dos negócios no meio rural é significativamente diferente do que o que se viu a uma década, apenas.
Carlos Matos, que conseguiu chegar à Assembleia Legislativa do Ceará, longe da tribuna ou da máquina governamental, tem conseguido fazer o que poucas instituições conseguem. Cultivar o otimismo quanto ao semiárido, quase todo o Ceará e visando ter este movimento estendido para todo o Nordeste. Tomando um exemplo que volta e meia é citado nesta coluna, de um outro cearense que fez história em Pernambuco e em Alagoas, estado no qual vivem seus últimos anos de vida e que lhe atribuiu o nome de um de seus mais importantes municípios, Delmiro Gouveia, reafirmo a admiração por gestores do porte e do alcance do Dr. Pedro Sisnando, do amigo Carlos Matos e deixar um convite a todos governadores do Nordeste que se integrem à Coalizão Nordeste. Nada do outro mundo, apenas uma leitura de quem ver o mundo com os olhos bem abertos. Desafio válido para a academia, para os que fazem o fomento, a pesquisa, a inovação e os agricultores. A velocidade das coisas ao redor é superior ao que muitas vezes se percebe, toda atenção é pouca.
Serra Talhada, 04 de setembro de 2024.