A feira de Lajedo e a valorização dos produtos locais
A feira do interior é um dia de festa
Postado em 17/09/2024 2024 17:14 , Agronegócios. Atualizado em 26/09/2024 16:46
Para quem mora no mato, digo distritos, ter a oportunidade de vir à feira é um fato a se comemorar. Primeiro porque eram raros esses momentos. Não havia transporte e nem sempre se tinha dinheiro para comprar algo. Na roça, em termos de alimentação tudo se produz, à exceção do sal, do açúcar e do óleo. Pão era um luxo. O dia a dia era monótono, cuscuz com leite no café da manhã e, para os mais afortunados, ovos, queijo e manteiga. Feijão com farinha e uma vez ou outra com durante o almoço, torcendo para que tivesse alguma mistura. E para o café da noite, normalmente o que restava das refeições anteriores, com macaxeira ou batata doce e para quem podia, inhame que desde sempre foi mais caro que as demais túberas. Uma outra cena que guardo na memória era , na esquina entre a rua XV de novembro e a rua do Comércio, as barracas de alimento. Feijão, arroz, farinha e a carne guisada cheirando a cominho e pimenta. Um convite do cérebro que nunca pude atender.
Os pequenos e médios proprietários vinham de seus sítios ou propriedades. Alguns se distraiam com a cachaça e os encantos da rua 16 de setembro, a data magna de Alagoas e nem sempre voltavam com a feira. Cabia ao pangaré encontrar o caminho de volta à casa, sedento e faminto, carregando um pinguço. Uma cena entre hilária e dantesca, mas esta era a realidade de quase todas as cidades do interior do Nordeste.
Hoje, meio século depois, quase tudo mudou, conservando-se alguns fatos que resistem ao tempo. A rua 16 continua sendo, o antro dos suspiros e o local onde os cidadãos de bem perdem seus recursos e energia. Já não voltam às costas da égua ou do cavalo mas sempre há alguma lotação para levá-lo de volta, mesmo que pague depois ou encontre alguém que o faça.
Não é só em Caruaru que tem tudo para se vender
A música de Luiz Gonzaga, com letra de Onildo Almeida, é uma verdadeira louvação a Caruaru e sua feira. De tudo que há no mundo, ela tem para vender. Ontem tive a oportunidade de visitar uma feira com essas características, em Lajedo, Agreste meridional de Pernambuco. A primeira situação atípica é o fato de a feira ocorrer no meio da semana, quarta-feira. A segunda é encontrar bancas que oferecem uma gama de produtos que variam da bucha, este fruto que hoje é mais usado na higiene pessoal a roupas, pentes e utensílios domésticos, o verdadeiro mangalho. Na maioria dos casos as cidades cresceram e suas feiras livres foram divindades por bairros que já não representam a riqueza e diversidade de outrora.
Há muito não via tantas bancas vendendo pastel e caldo de cana. A vontade era grande mas a disciplina foi maior em lembrar que um almoço preparado com carinho pela família de Ronaldo, de quem falaremos a seguir.
Do tomate cereja ao feijão guandu
Na primeira parada se deu com a cara no beiju. Com coco, de formato redondo ou um mais duro em forma de canudo, típico do Sertão. Não podia deixar de ter a massa puba e a massa de tapioca ou o coco ralado vendido a granel. A mesma senhora também vendia feijão guandu, feijão de corda, em garrafas pet e feijão verde debulhado. Dez metros à frente outras tantas barracas de doce. Um doce de goiaba de um vermelho intenso indicando que a quantidade de corante não era pequena, diversos tipos de doces de leite e o tão conhecido quebra-queixo. O tradicional e outro com lascas maiores de coco. Ambos deliciosos. O número de sacos de plástico era tanto que não houve como não se deter para comprar uma bolsa de saco de farinha de trigo para caber todos os bens.
Ao retornar, imaginando que as compras tinham sido concluídas me deparo com duas senhoras, creio mãe e filha, vendendo tomate cereja, tradicional, e uma tangerina pequena mas com a garantia que seria muito doce. Lá se vão mais duas vasilhas de tomate e quatro laranjas. Estes tão deliciosos que ao serem lavados se como se chupasse uma uva suculenta.
O semiárido e exemplos de empreendedorismo
Esta viagem ao passado se deu ao reboque da visita, acompanhado do amigo de infância, o empresário da educação e professor de química, Valdir Ferreira, o empresário de Serra Talhada, João Daniel, que se expandiu seus negócios em Alagoas adquirindo com o Ricardo Barreto a Proteica Alimentos, formuladora, produtora e comercializadora de ração animal, destacando-se a linha pet, o que caracteriza sua matriz, a Cedan Rações. Impressionante os avanços alcançados pela Proteica em apenas um ano. Mudanças na abordagem comercial, embalagens, infraestrutura industrial, logística e gestão de pessoas levando-a a crescer nos mercados alagoano e sergipano.
Após a visita à Proteica, João Daniel pretendia passar por um de seus distribuidores de rações que também se inicia no fracionamento de quantidades menores e venda de cereais não processados como o alpiste, o milheto, e sementes de mostarda, o empresário Ronaldo Melo, proprietário da DUR pet. Ronaldo, como criança começou trabalhando com uma carroça, transportando a feira doméstica, a exemplo de tantos outros meninos do interior. Hoje se encontra em expansão na área de alimento animal e parceiro da Cedan em várias linhas de produtos.
Foi uma manhã alegre, divertida, repleta de recordações e aprendizado. Uma lição para um professor de agronomia sobre o que o povo consome, com quais características, qual preço e as tendências. Aquele tipo de exposição que todo profissional deve se submeter uma vez a cada semestre. Fatos que auxiliam na reflexão, atualização. No segmento frutas, por exemplo, é interessante se notar que maçã e uva, com ou sem caroço, pode ser encontrada em Lajedo durante todo o ano. O que não era tão fácil enquanto criança cujas ofertas resumiam-se a banana e a sazonalidade das safras de manga e caju. As opções eram restritas e os produtos de clima subtropical e temperado raros e de um preço inalcançável. Um pé no presente, sem esquecer o passado e com os olhos bem abertos para o futuro.
1Professor Titular da UFRPE-UAST