
Casca-de-pau, lenha e carvão. E aí se vai a Caatinga
A cobertura vegetal do semiárido
Postado em 19/09/2024 2024 18:48 , Agronegócios. Atualizado em 20/09/2024 10:19
A cobertura vegetal do semiárido
Sempre é comentado que a caatinga é uma das maiores florestas tropicais do planeta, em termos de extensão e número de espécies. Levando-se em consideração apenas os vegetais, se contarmos a riqueza da microbiota, répteis, insetos, roedores, aves, morcegos, nematóides, vírus vamos chegar a números surpreendentes. Mais importante do que este balanço é o que se concentra nesta região exposta desde centenas de milhares de anos a períodos secos e temperaturas elevadas.
No Brasil, durante séculos as mais intensas explorações da caatinga se deram através da pecuária bovina e caprina. Como se tratava de uma atividade extensiva o impacto sobre o ambiente, senão mínimo, era administrável. Surgiram outras atividades econômicas bem mais demandantes, tais como a produção de carvão, o consumo de lenha e a venda da casca-de-pau.
O fato é que, caso alguns estudos recentes sejam comprovados, em três décadas a redução da cobertura vegetal do semiárido, no qual setenta por cento é de caatinga, foi reduzida em mais de cinquenta por cento, chegando ao fato de hoje se identificar algumas áreas em processo acelerado de desertificação.
O uso corrente
O carvão, fruto da queima na ausência de oxigênio nas caieiras, é conhecido de todos nós que antes do gás natural convivia com o carvão natural como principal fonte de energia para a cozinha. A lenha, apesar de ter o mesmo uso para uma grande quantidade de lares, faz parte da matriz energética de algumas indústrias, tais como cerâmicas, gesso, têxtil e alimentos. Há iniciativas que podem reduzir este uso como o compromisso em dotar o Araripe de uma unidade de distribuição de gás natural para o consumo das empresas de gesso, necessitando que a intenção se materialize e que as empresas adiram ao uso desse combustível
Durante uma conversa com o empresário Eduardo Viana ele fez referência ao comércio de casca-de-pau, um tecido vegetal tecnicamente conhecido como floema, no qual a planta transporta a seiva elaborada para todas as partes até as raízes. Pelo que pudemos raciocinar não se trata das cascas que encontramos nas bancas de feira ou de algumas lojas de produtos naturais mas um negócio organizado que deve ter como processador final as empresas de fármacos. Foi dito que um quilo de casca de pau de Angico de caroço chegava a custar trinta e cinco reais, o que deve ser uma fração ínfima do que os laboratórios devem lucrar transformando esta matéria prima em antibióticos, anticoagulantes, vermífugos, antidepressivos, medicamentos cardíacos e antidiabéticos.
Logo a seguir Eduardo me fornece uma relação de espécies da caatinga mais comercializadas, conforme dados do também amigo Bonzinho Magalhães, um dos maiores conhecedores de nossa vegetação.
Agregando-se valor
O fato é que apesar de toda discussão pouco se fala em usar os coprodutos da caatinga, como é o caso das moléculas largamente usadas na farmacopeia e na perfumaria dando-lhe o real valor que esses produtos têm, bem como o apelo comercial de serem oriundos de uma das reservas florestais mais importantes em todo o mundo. Os programas de pesquisa e ensino que existem não são suficientes para a importância do bioma e de quem nele vive. A caatinga está à espera de um esforço dirigido e concentrado de modo que se possa usar dos equipamentos, como espectrômetros modernos para identificar com precisão as moléculas que estão por trás dessa demanda industrial.
Uma outra opção de fácil entendimento diz respeito à bioeconomia a partir de investimento em biologia molecular e genômica dirigidas à identificação de genes ou fragmentos gênicos associados à tolerância a estresses hídricos e temperaturas elevadas. O planeta se encontra em um movimento de aquecimento não visto anteriormente. Dentre as várias razões, uma delas é o padrão de consumo adotado pela sociedade atual, a partir da completa dependência no uso de derivados do petróleo. Algo que, diga-se de passagem, ainda tomará muito tempo até uma reversão do uso de uma fonte tão preciosa, de fácil acesso e preços competitivos quanto o petróleo.
Neste caso fica claro que a biodiversidade das regiões áridas e semiáridas da Terra passam a ter um valor de difícil mensuração ou precificação. São nestes ambientes onde estão depositadas as informações que permitirá a humanidade sobre séculos à frente ou perecer de modo indefensável. Não consigo ver razão para o catastrofismo. A humanidade terá condições de prover o planeta de tecnologias mais saudáveis além de a qualquer momento podendo redirecionar o modo de consumo e padrões estabelecidos.
Defendendo quem preserva
Há um componente também decisivo que diz respeito à preservação do que resta com uma abordagem que nem sempre traz algum benefício aqueles que mantêm áreas intocadas de caatinga ou aqueles que se decidiram por exercer o pousio deixando que a área se recupere naturalmente. Em ambos os casos, políticas de apoio simplificadas e usando-se de imagens de satélites ou dados coletados a partir de drones ou VNT – Veículos não tripulados no acompanhamento poderiam ser adotadas de modo simplificado sem que para tanto se necessite de projetos extremamente elaborados que quase sempre implicam em despesas iniciais além do que parte dos proprietários podem atender.
Do ponto de vista de tecnologia de monitoramento e acompanhamento esta equação está resolvida sem que para isto tenha que paralisar uma ou mais instituições. Por outro lado também não se deve negligenciar o combate sistemático ao desmatamento ilegal, às queimadas criminosas e o descumprimento do Código Florestal Brasileiro, um dos mais importantes documentos que tratam da legislação ambiental, construído neste país. Uma coisa é certa, o comércio de carvão, lenha e casca-de-pau é algo irreal e deve ser alterado antes que a natureza pereça e a mata branca deixe de existir.
1Professor Titular da UFRPE-UAST