Uma história de persistência e visão estratégica
À medida que a China se tornou uma das nações mais desenvolvidas do planeta, acendeu-se a luz vermelha, principalmente por parte dos Estados Unidos, que passaram a utilizá-lo como mecanismo de contenção da China no Pacífico.
Postado em 22/11/2024 2024 19:41 , Agronegócios. Atualizado em 22/11/2024 19:48
A China, durante séculos, foi a mais importante nação do mundo. Como a história nos ensina, há tempos de glória e tempos de penúria. A partir da segunda metade do século XIX, problemas políticos internos enfraqueceram-na de tal forma que as potências da época, particularmente o Reino Unido, tiraram o máximo proveito da situação e reduziram o país a um quase protetorado. A China foi humilhada de tal forma que teve de aceitar a liberação do comércio do ópio para seus cidadãos e ceder Hong Kong como ponta de lança do domínio britânico.
Depois de quase dois séculos de humilhação, em 1949, Mao Tsé-Tung reunificou o país, desta feita como um país comunista, à exceção de Taiwan, que serviu como base para o governo deposto do continente, liderado por Chiang Kai-Shek, e que se tornou, ao longo dos anos, um protetorado americano.
Enquanto a China era pobre, os interesses sobre Taiwan eram modestos. À medida que a China se tornou uma das nações mais desenvolvidas do planeta, acendeu-se a luz vermelha, principalmente por parte dos Estados Unidos, que passaram a utilizá-lo como mecanismo de contenção da China no Pacífico.
Em busca de um mundo multipolar
Desde o final do século XVIII, o Reino Unido era a potência a ser respeitada e conforme se dizia que no império da Rainha Vitória o sol não se punha. O domínio britânico perdurou até a segunda guerra mundial, quando os Estados Unidos assumiram o status de país mais desenvolvido e protetor do sistema capitalista que se conflagrava com o mundo comunista liderado pela União Soviética. Em 1978, após a morte de Mao Tsé-Tung, assumiu a liderança do país um dos quadros mais destacados, o Deng Xiaoping. Sob o comando deste girante que tinha pouco mais de um metro e cinquenta de altura, a China iniciou um processo de desenvolvimento jamais vista em toda a história. Logo a seguir, em 1989, a queda do muro de Berlim, declarou solenemente o fim da bipolaridade já que os Estados Unidos passaram a ser a potência hegemônica. Como a história tem seus caprichos, de forma silenciosa, quando o mundo despertou viu que havia ressurgido a China como o Império do Meio, expressando de forma clara que a governança mundial deveria ser multipolar e não arbitrada por uma só nação.
Nos anos sessenta do século XX os países em desenvolvimento haviam tentado um meio termo criando o bloco dos não alinhados, o que queria dizer que não seriam automaticamente satélites dos Estados Unidos ou da União Soviética, o que por diversas razões de ordem política e econômica não conseguiu se firmar como uma terceira força
A ascensão da China trouxe uma tonalidade diferente, mostrando que um mundo multipolar serve melhor ao interesse de todos. Uma doutrina que abala os alicerces da ordem mundial mas que dificilmente deixará de ser aceita uma vez que os Estados Unidos e a Europa, sua principal aliada política, econômica e militarmente não contam com a expressão de domínio que exerciam há décadas. É aí que entra o papel do Brasil, procurando ser um fator de dissuasão entre as duas potências atuais. Desde a década passada a China se tornou o principal parceiro comercial do país e por mais que ideológica seja a argumentação, a economia fala mais alto, mesmo para os mais limitados.
A visita de estado do Presidente Xi Jinping
Lembrando que em abril de 2023 o Presidente Lula realizou uma visita de estado à China, sendo recebido com as devidas honras pelo governo chinês. Durante esta semana ocorreram em Brasília dois fatos relevantes do ponto de vista diplomático, a reunião do G20 em que se fizerem presentes as principais economia do planeta e, aproveitando a ocasião, uma visita do Presidente Xi Jinping. Um acontecimento diplomático com letras maiúsculas, em se tratando de um momento delicado para China e Estados Unidos após a eleição de Trump e as ameaças de retaliações comerciais à China.
A celebração de 37 acordos de cooperação bilateral não se dá de um dia para a noite. Foi um fruto de um intenso trabalho entre as duas diplomacias e os organismos de governo, elevando o patamar da relação Brasil-China para um horizonte que se estende há cinquenta anos à frente. Um ganho indiscutível, mesmo para aqueles que ainda consideram uma ameaça às relações com o país asiático.
A relação como agronegócio regional
Entre as diversas áreas cobertas pelo programa de cooperação, uma delas é a produção de itens alimentares demandados pela China, a exemplo de óleo de peixe, farinha de peixe, gergelim e sorgo. Particularmente fiquei feliz por trabalhar com sorgo desde quando estudante de agronomia e ver a cultura crescer de importância no cenário mundial. Na realidade, para os cinéfilos, ao falar em sorgo devem lembrar de uma das mais importantes películas do cinema Chinês, Sorgo Vermelho (Red Sorghum), dirigido por Yimou Zhang com Gong Li e Wen Jiang. Pois bem, não é que o sorgo passou a ser parte da relação bilateral Brasil-China? Ganham os produtores do cerrado, em especial do oeste da Bahia e do sul do Maranhão e do Piauí.
Outro fato relevante foi a concordância da China em ter nossa uva de mesa do Vale do São Francisco como opção de compra. Mesmo que o volume de uva a ser comercializado com a China venha a ser modesto, o fato do país está deixando claro que tem o Vale do São Francisco como opção, abre as portas para dezenas de outros mercados. Quanto à expansão do agronegócio com a China, há de se reconhecer o papel fundamental do governo Lula. Lembrando que há pouco tempo o governo brasileiro chegou a desconsiderar o fato da China ser o principal cliente do agronegócio brasileiro e, além de hostilizá-la se dobrar servilmente ao interesse de um outro país seu competidor. Coisas insanas acontecem.
Há uma lição a ser tomada a partir do que ocorreu em Brasília neste momento. Esta se expressa na necessidade de reconhecimento, gostem ou não, da ação do governo como maior parceiro do agronegócio nacional. O governo do Brasil neste momento agiu em defesa da soberania nacional e não em proteção a grupos e interesses espúrios, destacando-se o papel da liderança que retira o país da condição de pária na diplomacia mundial.