La Niña e as chuvas no Sertão
Até que ponto el Niño e la Niña são determinantes
Postado em 06/12/2024 2024 08:26 , Agronegócios. Atualizado em 06/12/2024 09:19
Durante o último final de semana, adentrei no sertão de Itaparica, no percurso entre Serra Talhada e Arapiraca. A caatinga permanecia seca em quase todo o trajeto até a Floresta. De lá até Petrolândia, a cor cinza já dava sinais de recuperação da vida, com os brotos amarelinhos começando a despontar. Ficava evidente que, em mais dez dias, o solo estaria coberto pelo manto de relvas e pelas copas das árvores, que haviam sacrificado suas folhas em prol da sobrevivência.
Por algum tempo foi lugar comum que o fenômeno de aquecimento das águas do Pacífico implicava em secas no Nordeste e que o caso reverso, conhecido como la Niña, ao resfriar as águas do Pacífico na região que se dirige ao Peru resultaria em chuvas mais consistentes no semiárido. O ano de 2024 colocou em xeque esta teoria. Desde agosto do ano passado se anunciou a ocorrência do el Niño, confirmando os efeitos de seca na América Central e do Norte e na região Amazônica. Contudo esta previsão não se confirmou em relação ao Semiárido e as precipitações se iniciaram em novembro de 2023 e prosseguiram, com os veranicos costumeiros até o mês de julho.
No momento, boa parte dos institutos que lidam com monitoramento e previsão climática atestam que o fenômeno da la Niña se consolidou no Oceano Pacífico e seguindo o raciocínio, haveríamos de esperar boas chuvas nos meses vindouros. Não deixa de ser um bom augúrio mas que merece cautela. Afinal, se o el Niño não foi tão assertivo, por que haveria de se crer que la Niña não nos trairia em seus desígnios? No caso do Sertão do Pajeú há de se ressaltar que as chuvas de trovoada, aquelas que antecedem o período chuvoso, começaram, oficialmente por sua intensidade e duração, hoje, 04 de dezembro de 2024, um pouco mais tardias do que o ano passado.
Na falta de previsões mais precisas vamos acompanhar o desenrolar do clima nas próximas semanas, preparar o solo, as sementes e os insumos e torcer para que em breve se conte com alimento suficiente para os rebanhos. Uma coisa se consolida em minha leitura, uma vez que o Semiárido não é o Cerrado que tem data certa para iniciar as chuvas e se chove razoavelmente bem e de modo uniforme nos próximos meses, aqui se instala um jogo na tomada de decisões para o semeio das culturas. Se chega à conclusão de que praticamente não haverá ano em que seja recomendado o plantio de uma única vez. Isto é, quando se pode, dividir a instalação da roça em duas ou três datas distintas leva a uma probabilidade de colheita mesmo que não seja ótimo. Por outro lado, o semeio único é uma aposta arriscada podendo levar a uma boa colheita ou a um insucesso completo.
A sensação de liberdade
Amanhã logo cedo, ao me dirigir com os estudantes à Fazenda Saco vou encontrar as plantas com um novo semblante. Estarão rindo e desejando, com um largo sorriso, um bom dia às vizinhas, aos animais, microrganismos e plantas que compõem o ecossistema sertanejo já que durante esta noite após as primeiras chuvas dispararam os mecanismos de alerta deixando claro às raízes que elas têm que se rejuvenescer, aprofundarem-se e passar a enviar ao caule, folhas, flores e frutos uma quantidade de água e nutrientes capaz de fazê-las saudáveis e produtivas e que logo mais estejam repletas de flores, recebendo pássaros, morcegos, abelhas e tantos outros insetos e a seguir, após a frutificação, hospedando um outro conjunto de sócios, os morcegos, outros pássaros, os saguis que se alimentarão dos frutos e ao mesmo tempo disseminarão as sementes por onde voam, correm, se escondem.
A evolução das espécies aposta na produção de frutos que, na realidade, carregam as sementes e a continuidade da vida. Em sendo assim, um fruto comestível qualquer não fica nada contente em não ser consumido e dele retirado a continuidade da espécie, seja caju, manga, jaca, pinha ou tantos outros que estão aguardando serem colhidos, irem ao mercado, serem adquiridos, consumidos e cujas sementes sejam plantadas ou mesmo descartadas em um lugar que permita a germinação e o crescimento de uma nova planta. Veja como é linda a natureza.
O que se espera do ano agrícola?
Agora vem o que fazer para se ter uma boa safra de cereais e forrageiras? Primeiro uma boa semente disponível durante as primeiras chuvas. É aí que a aquisição de uma semente de procedência é fundamental ou seguindo-se a tradição, que se tenha guardado em um recipiente hermeticamente fechado, seja uma garrafa pet ou um silo de metal. Aos precavidos a probabilidade de sucesso é infinitamente superior. Alguém pode até dizer que não plantou a tempo porque o material distribuído pelos governos não chegou a tempo. Lições de um velho conhecedor deste cenário, dificilmente esta semente chegará a tempo e com a qualidade necessária a se ter uma colheita plena.
Parece uma heresia mas talvez tenha chegado o momento de os governantes da região semiárida avaliarem bem o que tem sido o sucesso dos programas de distribuição de sementes de milho, feijão e até sorgo. Tomo a liberdade de apostar que o impacto é mínimo sobre a produção e como exemplo passamos a acompanhar a produtividade da cultura do milho em Pernambuco, por exemplo.
Produção de alimentos para os animais, uma condição indispensável
Ano após ano, o pecuarista sertanejo chega às primeiras chuvas exausto. Sem o devido alimento para o gado, o que restou foi o extremo sacrifício de comprar a palma forrageira, e silagem ou o feno, além do farelo, para seus animais, particularmente as vacas, cabras e ovelhas em lactação. Neste sentido, desde hoje, quando ocorreram essas chuvas, fazendo até as cigarras cantarem, que tenham como plano a produção de alimento excedente de modo que seus animais não sejam submetidos a limitações nutricionais. Conforme discutido em colunas anteriores, a cadeia produtiva da produção de alimentos para animais de consolidou, seja o ano chuvoso ou não sempre haverá alguém adquirindo volumoso ou ração formulada, devendo se chamar a atenção do produtor do semiárido que a produção e o armazenamento de forragem ou ração é o que vai levá-lo a continuar como produtor ou ter que vender o imóvel para saldar as dívidas e viver o resto de seu tempo incomodado em uma pequena casa na periferia das cidades.
1Professor Titular da UFRPE-UAST