O que se espera do setor agrícola em 2025
2024/ 2025, ano de boa colheita
Postado em 30/12/2024 2024 06:16 , Agronegócios. Atualizado em 29/12/2024 16:55
As estimativas para a colheita de grãos na safra atual chegam a 322 milhões de toneladas. Um volume considerável mesmo algumas regiões tendo que enfrentar secas em períodos de plantio ou veranicos subsequentes. O maior de todos os desastres naturais foram as inundações ocorridas no Rio Grande do Sul em maio de 2024. Do ponto de vista agrícola atenuado pelo fato da colheita do arroz já ter sido concluída mas com danos irreparáveis ao aparato produtivo e que demandará anos de esforços e investimentos para a reconstrução e, em especial, para correção dos fatores que deram origem à tragédia. A natureza não perdoa. Vivemos de brincar com ela e a cada dia áreas de proteção são ocupadas ilegalmente em todos os municípios do país. Os investimentos com manutenção de barragens, canais de drenagem vêm sendo reduzidos às legislações permissivas do ponto de vista ambiental sendo aprovadas por câmaras municipais, assembleias estaduais e crimes ambientais deixando de ser considerados pelas entidades responsáveis.
Apesar de tudo, o desenvolvimento tecnológico alcançado pela agricultura brasileira é notável, embora haja de se considerar que ainda é fortemente dependente de empresas estrangeiras, a exemplo dos agroquímicos, máquinas agrícolas, equipamentos de precisão, desenvolvimento de híbridos e cultivares, previsão climática e comércio exterior.
Avanços institucionais importantes
Dentre um conjunto de políticas adotadas pelo governo federal em prol do setor, duas delas valem a pena ser mencionadas: o plano safra e a reconstrução dos recursos humanos da Embrapa. O primeiro, lançado em julho de 2024, traz um aumento de 10% em relação ao ano anterior. Sendo disponibilizados 400 bilhões de reais entre custeio e investimento para a agricultura comercial e 76 bilhões a serem emprestados ao segmento de agricultura familiar. Refiro-me ao crédito agrícola pelo fato dele ser a nau capitânia dos programas de apoio ao produtor. Em algumas regiões ocorreram críticas à demora de liberação dos recursos, entretanto é importante se considerar que na maioria dos casos as queixas estavam relacionadas a imóveis com limitações creditícias ou com pendências com a legislação ambiental. Algo sanado entre e o fato é que a área plantada se consolidou sem maiores intercorrências
No que se refere à tecnologia a referência à Embrapa é simbólica. A instituição é uma grife para o Brasil e para o mundo e testemunhou ao longo dos últimos anos um encolhimento significativo de seu orçamento e a não reposição de seus recursos humanos, vendo a cada dia o esvaziamento de suas unidades de pesquisa, dependente de sua capacidade resolutiva. Em dezembro de 2024 tornou-se público o edital do concurso visando recrutar 1.050 pesquisadores, analistas e técnicos. Algo importante uma vez que o último concurso geral ocorreu em 2009, quando 1.121 servidores foram incorporados. A política de concursos em períodos longos não é recomendável uma vez que em boa parte dos casos se perde a possibilidade de continuidade entre as gerações de pesquisadores. No caso específico quinze anos é um tempo extremo, embora haja de se reconhecer o bem que esta aeração trará à vida da entidade.
Ter pessoas qualificadas é o mais importante, mas não é o suficiente. Neste sentido, além da Embrapa, as universidades, institutos federais de vários ministérios, instituições estaduais de pesquisa e a iniciativa privada devem ser fortalecidas e, particularmente no que se refere à construção de uma agenda que priorize a independência tecnológica e o apoio às empresas nacionais. Nem sempre tem sido o caso e o que se vê é um laudatório exagerado quanto à cópia de tecnologias geradas no exterior ou de uma leitura equivocada quanto ao caráter empreendedor do pequeno e médio produtor.
Ainda em se tratando de ciência e tecnologia aplicada ao campo não há como deixar de se referir à situação de penúria que se encontram os institutos estaduais de pesquisa agropecuária. Dos que restam, a maioria desconfigurada, por atribuições múltiplas levando a não exercerem bem o papel de extensão ou de avanço tecnológico, ainda em alguns casos envolvidos em políticas fundiárias, obras hídricas, políticas de assistência à calamidades, em uma agenda com questionável chance de sucesso. Valendo lembrar o papel estratégico destes institutos e a certeza de que a importância deles se equivale à das universidades e da própria Embrapa. Aqui cabe um apelo aos governos estaduais para não serem tragados por análises superficiais que os levam a crer que nos estados onde há unidades da Embrapa, seria dispensável o equivalente estadual. Puro engano. Esta ideia não é realista e nem condiz com o que se espera da agropecuária nacional.
É bem verdade que boa parte das organizações estaduais por negligência e descaso encontra-se em uma situação de paralisia e de, consequente, baixa capacidade de resposta. Neste caso surge uma reforma geral no Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, hoje, em estágio letárgico e com um capital de conhecimento que não corresponde à demanda e forte atual de tecnologias. Há uma iniciativa de reforço ao sistema através do PAC Embrapa em curso mas muito aquém do que o que deveria ser feito pelos governos federal e estaduais e nem toca nos problemas inerentes à continuidade desta força local.
Investimento em tecnologia é sempre bem vindo
Espera-se que a partir de 2025 haja um movimento de mudança na percepção do que representa a tecnologia endógena e que cada governo estadual procure atualizar suas instituições quer com novas aquisições como também em investimentos que façam com que suas estações experimentais voltem a ser consideradas como laboratórios. Há duas semanas esta coluna tratou da mecanização necessária à pequena e média propriedade e de como a conexão com os países asiáticos, a exemplo da China e da Índia, pode ofertar em curto prazo de tratores de pequeno e médio portes e equipamentos direcionados à produção familiar. Este movimento deve ser complementado por uma política industrial de suporte ao surgimento de indústrias nacionais que atendam a este público. Importar tão somente não é o suficiente, isto tem sido demonstrado a cada momento.
O futuro é positivo mas não esqueçamos das secas
No geral até o presente não há indícios que não haja evolução positiva para as safras de grãos e matérias primas produzidas pela agropecuária nacional nos próximos anos. Continuo apostando que ao chegar em 2030 o país possa estar produzindo 400 milhões de toneladas de grãos. As condições estão postas e a demanda totalmente em aberto. Por incrível que pareça, dois movimentos geopolíticos recentes favorecem esta tendência. O acirramento das relações dos Estados Unidos com o mundo e, em particular com a China, tende a dificultar a vida dos agricultores americanos nos próximos anos e, mais do que clara, os acordos de cooperação técnica que foram recentemente celebrados pela China com os países da América Latina, em especial o Brasil, alcançando até a Argentina que até pouco tempo considerava algo malévola as transações comerciais com aquele país. Este filme o Brasil conhece bem.
Mas o interesse pela agricultura brasileira não para na China. Na última semana o país recebeu uma delegação da Índia, a quinta maior economia do mundo, é um país que cresce há duas décadas acima de oito por cento ao ano, com a maior população do mundo e que a cada dia, apesar de sua produção de cereais ser equivalente a brasileira, demandar mais alimentos para atender ao consumo crescente de seu povo.
Apesar do quadro positivo não poderia deixar de chamar a atenção para uma ausência, uma melhor gestão das secas no país. O Semiárido, desde 2019 tem contado com chuvas anuais acima da média, entretanto como os ciclos de secas não desapareceram, em algum momento a região contará com a visita de um fenômeno que é permanente. Não se vê uma iniciativa consistente sobre a questão, mas em algum momento os governos devem considerar que não há alternativa mais lógica.
1Professor Titular da UFRPE-UAST