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Pernambuco, 11 de fevereiro de 2025

Agronegócios

O Novo Cenário do Agronegócio Global e os Desafios para os Estados Unidos e o Brasil

O JS entrevistou o engenheiro agrônomo Geraldo Eugênio, que destacou as oportunidades e desafios para o setor agropecuário brasileiro. Confira a Entrevista !

Postado em 02/02/2025 2025 06:12 , Agronegócios, Agropecuária. Atualizado em 02/02/2025 06:19

O agronegócio mundial passa por mudanças significativas com a transição de um cenário unipolar, liderado pelos Estados Unidos, para um mundo multipolar, onde outras nações, como China, Brasil e Índia, ganham espaço. Além da concorrência no mercado de exportação, os Estados Unidos enfrentam desafios internos que podem impactar sua produção agrícola e modificar a dinâmica global do setor. Dentre esses desafios, destacam-se a deportação de imigrantes, que compõem grande parte da mão de obra agrícola, e a redução das compras chinesas de produtos agropecuários americanos. O Brasil, por outro lado, pode se beneficiar dessa nova configuração do mercado, fortalecendo sua posição como fornecedor de commodities para um número crescente de nações.

Os Estados Unidos há décadas são a principal potência agrícola do mundo, definindo preços e estoques globais por meio da Bolsa de Chicago. No entanto, fatores geopolíticos recentes estão obrigando o país a reavaliar suas estratégias comerciais. A adoção da chamada “Doutrina Trump”, que endurece políticas migratórias e gera tensões comerciais com a China, tem impactos diretos na agricultura americana. A deportação de trabalhadores imigrantes pode comprometer a produção agrícola do país, dado que são esses profissionais que desempenham as funções mais pesadas no setor. Além disso, a decisão chinesa de reduzir as importações de produtos agropecuários dos EUA impõe novos desafios aos produtores, que precisam diversificar mercados e estratégias comerciais.

O Brasil surge nesse contexto como uma alternativa viável para suprir a demanda global por grãos, carnes e outras commodities, aproveitando-se da abertura de novos mercados e da modernização das práticas agrícolas. O país tem reforçado sua posição nas exportações para a Ásia e para a África, regiões estratégicas para sua consolidação como grande player global do setor.

Geraldo Eugênio | Engenheiro Agrônomo Professor Titular da UFRPE-UAST

JS: Como o Brasil pode se beneficiar da redução das importações chinesas de produtos agropecuários dos Estados Unidos?

GE: Certamente a China ao abdicar de adquirir alimentos e matérias primas americanas irá procurar outros mercados. A consistência com que o agronegócio brasileiro tem se feito presença no mercado mundial de commodities qualifica o país como um cliente preferencial. Além do mais, é importante se notar que os investimentos em curso de empresas no país, particularmente em infraestrutura logística, têm uma visão estratégica sobre as trocas comerciais e em particular o negócio de minerais e produtos agrícolas.

JS: De que forma a deportação de trabalhadores imigrantes pode impactar a produção agrícola americana?

GE: Considerando a política adotada pela nova gestão americana não é difícil se imaginar o pânico causado entre as famílias latinas, caribenhas, asiáticas e africanas que se fixaram na América. Mesmo em casos em que o núcleo familiar esteja legalizado e conte com o Green Card, por exemplo, sempre haverá algum irmão, sobrinho, neto ou agregado que não tenha o status legal de imigrante. Pode até ser exagero, mas em algumas cidades, dependendo da principal atividade econômica o impacto é muito grande. No caso da agricultura, é visível e, com isto, a tendência dos preços de alimentos nos Estados Unidos é de uma subida forte nos próximos meses.

JS: Quais são as oportunidades e desafios que a ascensão de um mundo multipolar traz para o agronegócio brasileiro?

GE: O Brasil tem o privilégio de fornecer matérias primas agrícolas e alimentos para mais de cem países. Em alguns casos a relação se tornou estratégica, como é o caso da China e dos países árabes. É uma nação não envolvida em conflitos e dialoga com as principais potências, reconhecendo a importância desse relacionamento sem um atrelamento automáticos às suas agendas e políticas externas. Por outro lado, em sendo a sétima mais importante nação em termos de produto interno bruto, com uma população jovem e uma infraestrutura razoável tem o direito de se colocar como parceiro para os grandes temas mundiais.

JS: O Brasil tem potencial para substituir os EUA como principal fornecedor de commodities para mercados como China e Índia?

GE: O volume de venda dos Estados Unidos para a China é grande e mesmo que as relações se perturbem em diminuir substancialmente este comércio, nenhum país substituirá os Estados Unidos, sozinho. A Índia, o Japão, a Coréia e a China estão há décadas investindo fortemente na pesquisa agropecuária e atualmente no uso de máquinas, implementos, drones, sensores e inteligência artificial. Neste sentido, caso dependesse de vontade própria procuraram produzir suto que importam. Não sendo possível, a América Latina, tendo o Brasil como na capitânia, será, com a África, os palcos onde se decidirá a segurança alimentar da humanidade.

JS: Como a política externa brasileira pode ser usada para ampliar mercados e consolidar a competitividade dos produtos agrícolas nacionais?

GE: O país, à exceção de poucos anos, construiu uma política externa baseada no respeito às nações amigas e não interferência em suas políticas internas. Considerando que esta tendência tem sido mantida pelo governo atual, não haverá sobressaltos. Quanto aos próximos passos caberá ao Itamaraty junto ao Ministério de Agricultura e Pecuária, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e das instituições representativas do agronegócio e da indústria de alimentos investir nos mercados em ascensão na Ásia e África. Algo positivo para o país é sua política de colaboração técnico-científica com as nações da América Latina e da África. Ela pode ser intensificada. Quanto à Ásia, a situação é um pouco mais crítica. Esta relação é incipiente devendo ser acelerada imediatamente.

JS: Como as mudanças na relação comercial entre China e Estados Unidos podem impactar as exportações de frutas de Pernambuco, e de que forma os produtores do estado podem aproveitar essas oportunidades?

GE: A relação comercial da China com os Estados Unidos impacta de forma moderada as exportações de frutas do Brasil. Os produtos que fazem parte da agenda de comércio entre os dois países não têm a manga, o melão, a uva de mesa ou o mamão como pontos altos. Entretanto, a política de aumento geral de impostos e tarifas alfandegárias, que vem sendo anunciada desde o governo Trump, se for imposta, desequilibra o mercado, atingindo, em particular, países como México e Peru, por exemplo, e podendo impactar diretamente as vendas do Brasil, uma vez que concorrem no mercado americano pelos mesmos produtos.

JS: Quais os desafios para a exportação de frutas? Como o Brasil está vendo o crescimento da presença do Peru neste mercado que se tornou um forte concorrente brasileiro nos últimos anos?

GE: O Peru tem algumas vantagens naturais, especialmente pelo clima seco, recomendável à fruticultura tropical. Com os investimentos em novos portos, como o de Chancay, o país se torna o principal hub de comércio da América do Sul com a Ásia. Sendo assim, o futuro do Brasil continuará sendo os Estados Unidos, a Europa e os países árabes.

Do ponto de vista tecnológico, sugere-se observar atentamente as tendências de mercado e as políticas voltadas para o meio ambiente. O uso de defensivos continua sendo um risco e deve ser tratado com atenção e inteligência.

No caso da cultura da uva, a aproximação dos viveiristas do Nordeste com as empresas de melhoramento genético é salutar. Para a manga, a situação não é a mesma, e há demanda por financiamento de bons projetos durante as duas próximas décadas.