
A inflação no preço de alimentos, não é brincadeira
Uma potência agrícola que não controla o preço dos alimentos
Postado em 08/02/2025 2025 13:07 , Agronegócios. Atualizado em 08/02/2025 15:57
Há um pouco mais de cinquenta anos o país deu partida a uma mudança radical em sua agropecuária. Graças a visão de um grupo, destacando-se Eliseu Alves, José Pastores, Luiz Fernando Cirne Lima, Delfim Neto, Alisson Paulinelli, José Irineu Cabral, este, pernambucano e alguns outros profissionais de inteligência e visão de futuro extraordinárias.
Um país que se tornava urbano, apostava no desenvolvimento industrial mas que não havia observado que a base de qualquer crescimento sustentável é sua agricultura. O Brasil aspirava ser uma potência mas não conseguia produzir alimentos suficientes para sua população. Um gigante de pés de barro, esta seria a melhor descrição.
O lance mais ousado deste colegiado, aí devendo-se enaltecer o papel de Eliseu Alves foi o de avaliar corretamente que o que ponto crítico na agricultura brasileira era a baixa inserção tecnológica e que para tanto, um novo aparato de pesquisa, desenvolvimento e inovação deveria ser construído. Foi neste ambiente que surgiu a Embrapa, em 1973 e ao mesmo tempo o fortalecimento dos programas de pós-graduação das universidades federais, o que resultou em um programa arrojado de capacitação de jovens egressos das escolas brasileiras em universidades estrangeiras, notadamente os Estados Unidos.
O fato de se ter criado as condições para o retorno dessa mão de obra qualificada causou um impacto notável que fez com que o país em cinco décadas passasse de comprador a ser um dos três mais importantes atores no comércio internacional de commodities agrícolas, estimando-se a produção de grãos da safra 2024/205 para 322 milhões de toneladas, um pouco menor do que a da Índia, até o momento o terceiro país maior produtor de grãos.
Quais são as causas?
Sendo assim, por que os alimentos na prateleira e nas feiras têm preços tão altos? Não há uma explicação única nem é tão simples mas vejamos o que ocorre. Em primeiro lugar as catástrofes climáticas têm afetado a produção em vários países, inclusive no Brasil. Apesar da safra recorde, o país testemunhou as enchentes no Rio Grande do Sul e veranicos ou secas em várias regiões. Felizmente no nosso caso, por mais danos que tenham causado, não conseguiram diminuir a expectativa de safra.
O segundo, trata do preço internacional dos insumos, puxando o custo de produção para cima o que, obrigatoriamente resulta em preços mais elevados desde o produtor. Por falar nessa espiral, o agricultor é quem menos se beneficia com o aumento dos alimentos.
Um terceiro ponto expõe uma situação de desconforto que é o domínio dos diversos elos da cadeia produtiva na mão de empresas estrangeiras: adubos, máquinas, genética, comércio, logística e produção. Há de se chamar a atenção que grande parte dos produtores estão diretamente associados às trades que compram antecipadamente a safra ou financiam as atividades da fazenda. Pouco é chamada a atenção para este fato, mas provavelmente não mais do que 20% de todo o PIB agropecuário esteja de fato em mãos de empresas nacionais.
O quarto fator crítico é a especulação. Ninguém é tolo que não saiba que o comércio, em si, é uma atividade especulativa. O lucro é um dos pilares da atividade. Entretanto, usar de alguma calamidade ou algum desequilíbrio para fazer o jogo de esconde-esconde é algo que não dá para se aceitar. Um fato recente se tornou algo emblemático. Quando das enchentes no Rio Grande do Sul, as águas ainda subiam, várias lideranças do setor arrozeiro foram a público alertar para a possível falta de arroz e como consequência os preços não seriam os mesmos. Esqueceram de informar que 95% da safra já se encontrava colhida e quando em resposta ao truco o governo decidiu-se por importar arroz, foi um Deus nos acuda. Chegando ao limite de tentar convencer a população de que o arroz asiático não era saudável ou que se tentava prejudicar os agricultores brasileiros. Puro blefe e fake News.
No exato momento há uma onda de incertezas no mercado internacional. A nação mais rica do mundo tem optado por uma desregulamentação total no comércio mundial e até quando houve uma estabilização não se espere preços baixos, inclusive nos alimentos e, em particular dentro dos Estados Unidos.
A corrente quebra no elo mais fraco
As estatísticas são fartas em mostrar que as famílias mais humildes têm um percentual maior de seus rendimentos destinados à alimentação e, portanto, são os mais vulneráveis. Ainda bem que o país conta com um sistema de apoio a este segmento através dos programas sociais que, apesar das críticas são os responsáveis pela erradicação da fome no Brasil e um forte suporte ao mercado varejista. As feiras livres e os mercadinhos das periferias e dos municípios menores sabem o que representa a semana em que esses benefícios estão sendo depositados.
O papel do pequeno e médio produtor
E do ponto de vista de produção, onde políticas de natureza técnica, de capacitação, de crédito, de seguro, de logística e de mercado poderiam ser aplicadas de modo a arrefecer a dependência do preço de alimentos aos tsunamis internacionais? Creio que há um certo consenso para o fato de que é no pequeno e médio imóvel que está a principal força de segurança alimentar em uma nação. No caso brasileiro houve grandes avanços, mas algo mais deve ser feito de forma que este público, de modo geral descrito como agricultura familiar, tenha acesso e passe a ser usuário do que mais refinado existe em termos tecnológicos.
Este produtor deve ser visto sem pieguices ou vitimismo. São empreendedores hábeis, inteligentes e extremamente dedicados. A grande maioria está conectada à Internet e aos seus aplicativos. Manusear com destreza o aparelho celular, logo não há como esta mesma pessoa não seja capaz de instalar sensores, sistemas de irrigação, fertirrigação, controle integrado de pragas, acesso ao mercado de insumos e seus produtos e até estar atualizada quanto às políticas construídas em seu benefício.
No geral, dificilmente se pode esperar redução nos preços dos alimentos de modo geral, continuarão em alta por algum tempo. Entretanto, o país que aproveitar esta situação de instabilidade e investir em conhecimento e capacitação de seus produtores sofrem bem menos, além de garantir o suprimento que a cada dia se torna ameaçado.
1Professor Titular da UFRPE-UAST