
Mulheres Negras na Ciência: Desafios e Caminhos para a Inclusão
Por essas razões, em 2015, a Assembleia Geral da ONU instituiu o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, convidando seus países-membros a promoverem atividades que estimulem essa participação e busquem eliminar a discriminação.
Postado em 14/02/2025 2025 13:47 , Ciência e Tecnologia, Economia. Atualizado em 14/02/2025 14:33
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Imagine um mundo com mais mulheres cientistas. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), isso é fundamental para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas. É também uma forma de promover o acesso igualitário ao emprego pleno e ao trabalho decente. Além disso, é necessário para que o mundo consiga cumprir suas metas de desenvolvimento sustentável, garantindo que as mulheres tenham participação plena e efetiva nas políticas, programas e processos de tomada de decisão.
Mas, em países como o Brasil, combater apenas a desigualdade de gênero pode não ser o suficiente. De acordo com pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Gemaa/UERJ), em 2023, as mulheres pretas, pardas e indígenas representavam apenas 2,5% do quadro de professores em programas de pós-graduação nas áreas de ciências exatas, da terra e biológicas. Já as mulheres brancas somavam 29,2%, ainda bem abaixo do grupo majoritário, composto por quase 61% de homens brancos.
“Há um fenômeno compartilhado por quase todas as áreas do conhecimento. Quando se observa as posições mais importantes na carreira acadêmica, a presença de mulheres vai decaindo. Nossa pesquisa focou nas áreas de exatas, que apresentam desigualdades severas de gênero e, ainda mais, de raça. Se já há poucas mulheres nas ciências exatas, a situação é ainda pior para as mulheres negras”, avalia a pesquisadora do Gemaa, Márcia Cândido.
A professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Márcia Pereira conhece bem essa realidade. Ela é a única mulher negra no quadro de docentes do Centro Tecnológico da Ufes, que conta com sete cursos de graduação e seis de pós-graduação nas áreas de engenharia e informática. Essa experiência se repete ao longo de sua trajetória acadêmica. Na graduação em Física, na década de 1990, entre 50 alunos, apenas duas eram mulheres, e Márcia era a única mulher negra.
“Quando passei no concurso da universidade, fui lotada no campus de São Mateus e atuei lá por 10 anos. Mesmo sendo a cidade com maior número de pessoas negras do Espírito Santo, eu era a única professora negra do campus inteiro”, lembra.
A paixão de Márcia pela ciência começou na infância. “Sempre fui uma criança nerd. Minha mãe diz que eu só podia ser física, porque sempre buscava explicações científicas para tudo. No início, pensava em estudar Química, mas ao visitar um observatório astronômico, apaixonei-me pela Astronomia e decidi cursar Física”.
Atualmente, Márcia faz pós-doutorado e se dedica a atividades educativas para a comunidade acadêmica e o público em geral. “Faço questão de dar palestras em escolas, promover cursos para crianças que participam da Olimpíada Brasileira de Astronomia e integrar a Semana de Engenharia da universidade. Quando essas crianças me veem, percebem que também podem estar na universidade”.
Márcia também destaca a importância das cotas raciais para tornar o ensino superior mais acessível. “Hoje vemos uma universidade mais diversa, com mais representação”.
Entre os estudantes que ampliam essa diversidade está Daphny Santos, 19 anos, aluna da primeira turma do bacharelado em Matemática da Tecnologia e Inovação do ImpaTech, faculdade do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).
“Gosto muito de matemática e sei que muitas meninas também se interessam. Minha mãe é professora de geografia em escola pública, e muitas mulheres da minha família estudaram. Independentemente do gênero, todos podem agregar em qualquer área”, afirma.
A diversidade de sua turma ajudou Daphny a se sentir acolhida. “Tenho pessoas com quem me identifico, o que me dá força para continuar”.
Já a médica e pesquisadora Monique França foi beneficiária das cotas em 2010, ao ingressar na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Hoje, faz doutorado em Saúde Pública na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pesquisando a saúde da população negra.
“Entrar na universidade possibilita questionar estruturas e currículos. Podemos cobrar mudanças, discutir doenças negligenciadas e o impacto do racismo na saúde”, defende.
Monique também enfrentou preconceitos ao conciliar maternidade e acadêmia. “Na entrevista do mestrado, me perguntaram como estudaria estando grávida. Ninguém faz essa pergunta a um homem. A maternidade não reduz a capacidade intelectual, muito pelo contrário”.
Apesar das políticas de inclusão, as mulheres negras ainda enfrentam dificuldades para se tornarem professoras universitárias. A Lei de Cotas no serviço público exige reserva de 20% das vagas para pessoas negras, mas a fragmentação dos concursos impede sua plena aplicação.
Uma proposta aprovada no Congresso busca ampliar essa reserva para 30%, incluindo indígenas e quilombolas, e reduzir a exigência mínima para duas vagas.
A diversidade na ciência é essencial para o progresso. Como conclui Márcia Cândido: “Diferentes experiências promovem novas ideias, inovação e avanços para toda a sociedade”.
FONTE AGÊNCIA BRASIL