Facebook jornal do sertão Instagram jornal do sertão Whatsapp jornal do sertao

Pernambuco, 10 de março de 2025

Agronegócios

A imprevisibilidade de chuvas no Semiárido, um desafio

O que se espera das previsões

Postado em 27/02/2025 2025 18:40 , Agronegócios. Atualizado em 27/02/2025 18:40

Colunista

 

 

 

A cada ano o semiárido se defronta com uma realidade diferente quanto a distribuição e intensidade de chuvas. Em alguns casos as precipitações ocorrem conforme o que se espera de uma média obtida com observações meteorológicas de cinquenta ou mais anos, entretanto, na maioria dos casos esta distribuição normal não se aplica, o que leva a se concluir que cada ano é uma ocorrência diferente. Considerando o ano de 2024 o montante de chuvas até o final do mês de janeiro, no Sertão do Pajeú foi distinto do que está se testemunhando em 2025.

Conforme registrado, houve uma chuva rápida no início de dezembro de 2024, voltou a chover em média intensidade entre 14 e 20 de janeiro de 2025 e até esta semana, final de fevereiro o que se vê é um veranico que se alonga por um período de trinta e cinco dias. O interessante é que ao rever o que foi dito no segundo semestre de 2023 era que ocorreria o El Niño e, portanto, a região Semiárido estaria exposta a uma seca a partir de 2024, o que não ocorreu. Ao final do ano passado até o presente um bom número de análises informa sobre a ocorrência de Lá Niña e, portanto uma quantidade de chuvas superior à média estaria ocorrendo na região, uma outra previsão fora do escopo do que vem sendo presenciado.

Distribuição versus quantidade

Considerando que a distribuição das chuvas é errática e imprevisível, o que coloca em xeque os relatórios e boletins climáticos com dados históricos. No caso específico do Sertão do Pajeú está claro que esses registros apontam para um período chuvoso que se inicia em janeiro, cresce em fevereiro, tem seu ponto máximo em março e, daí cai significativamente o valor em abril e quase nada em maio. Nos últimos quatro anos, o registro de dados mostra anos completamente diferentes do que o que se poderia esperar. As chuvas nem sempre se iniciam em janeiro e, mais importante, os veranicos assemelham-se a fenômenos móveis ocorrendo em qualquer período sem que haja um padrão para isto. Em outras palavras, é a distribuição errática que mais danos causam as expectativas de safras para culturas anuais como o milho e o feijão.

Outro ponto a ser considerado com atenção diz respeito à quantidade de chuva. Mais uma vez, voltando aos dados acumulados, Serra Talhada conta com uma precipitação anual de 647 milímetros, enquanto Arcoverde apresenta um teor de chuvas bem mais intenso, com média de 780 milímetros anuais. No primeiro ambiente 640 litros de água caem em cada metro quadrado e 780 litros no segundo. Uma quantidade razoável, se considerarmos que o teto de uma casa com 50 metros quadrados recebe trinta e dois  mil litros em Serra Talhada e trinta e nove mil litros em Arcoverde. A pergunta a ser feita é: o que está sendo feito desta quantidade de água? Foi armazenada? Usada de forma produtiva? Infiltrada no solo de modo a recarregar os aquíferos? Acumulada em poços ou açudes que se tornaram ambientes de produção de peixes ou camarão? São questões que ainda não contam com respostas consistentes.

Há um débito quanto ao reconhecimento do valor que as chuvas representam. Revendo-se os dados, 6.470.000 de litros  atingem um hectare durante o período de um ano em Serra Talhada e 7.800.000 litros em Arcoverde, ou, trocando-se em carros pipas com capacidade para transportar 15.000 litros, 431 e 520 carros pipas em Serra Talhada  e Arcoverde, respectivamente.

O que esses números trazem à tona é que um enfoque especial deve ser dado na água disponível. Uma quantidade nada desprezível de águas pluviais, nos poços, açudes, barragens de médio e grande volume e nos aquíferos.

Os avanços técnicos na agricultura

A agricultura de sequeiro é uma roleta em que cada espécie, seja milho, feijão, mandioca, pasto, aposta contra a incerteza da ocorrência da chuva e a quantidade de água disponível no momento do florescimento e enchimento dos grãos ou na formação das túberas. No caso específico do milho, mesmo os híbridos mais atuais ainda não são suficientes para pelejarem com a ocorrência de veranicos que impedem ou reduzem significativamente a capacidade produtiva. Em relação ao feijão de corda, este se mostra como a mais tolerante cultura alimentar para a região sertaneja. Primeiro porque o tamanho de sua semente permite que suporte, após a germinação, um veranico de quinze a vinte dias sem que se reduza significativamente o número de plantas por área, seguindo-se do ciclo extremamente curto. Algumas cultivares de feijão de corda podem ser colhidas verdes aos quarenta e cinco dias após o plantio. Esta redução de ciclo implica em um dos principais mecanismos de tolerância à seca, o escape.

Em se tratando de mandioca, a produtividade de raízes, caules e folhas é diretamente proporcional à quantidade de água disponível no período de doze meses após o plantio, entretanto tão logo se inicie a tuberização, aquela água acumulada pode também ser usada quando da ocorrência de micro secas, às quais se refere o professor Humberto Barbosa, da UFAL-LAPIS em estudos consistentes sobre a ocorrência de secas na região.

Ocorreram avanços em todo o mundo quanto a produção de milho sob condições ótimas, quando se conta com uma boa semente, fertilizantes e água, entretanto para ambientes como o Sertão ainda há que se fazer uso de recursos genéticos que permitam as plantas de milho, tal qual o sorgo, pararem o crescimento e retomarem ao final do período seco. Não será fácil, mas conforme comentado em vários momentos, essas informações genéticas encontram-se nas plantas da caatinga.

Elementos de risco e previsão

Há esperança de se contar com previsões mais precisas. A resposta é positiva entretanto considerando-se que os grandes fenômenos, como El Niño e La Niña não são suficientes, serão os dados coletados em milhares de estações meteorológicas manuais ou digitais que alimentam os bancos de dados que serão submetidos a cálculos e algoritmos capazes de dispor ao empresário rural e urbano expectativas mais consistentes.

Falta o que então? Inicialmente que as estações meteorológicas instaladas em todo o Semiárido se encontram funcionando uma vez que há de se supor que apesar da malha razoável uma quantidade expressiva não coleta e transmite as informações, seguindo-se da associação entre as instituições brasileiras que lidam com meteorologia e climatologia. Algumas instituições nacionais têm acordo de cooperação com entidades da União Europeia e Estados Unidos mas muito tem ainda a ser feito de modo que o refinamento da análise, uso e divulgação desses dados sejam tão consistentes quanto nos respectivos países e pelo fato do clima do -UASTplaneta não se restringir às Américas e à Europa. 

Voltando a tocar em uma tecla surrada mas que continua atual, enquanto o país não contar com um sistema de gestão de secas amplo e eficiente, as informações serão incompletas ou dependentes do achismo de alguns.

                        

1Professor Titular da UFRPE