
A guerra alfandegária americana e o Brasil
Até quando é para valer?
Postado em 06/03/2025 2025 18:56 , Agronegócios. Atualizado em 06/03/2025 18:56
Donald Trump chegou chutando o pau da barraca. Primeiro anunciou uma guerra total contra os imigrantes ilegais, população que abastece o agronegócio de hortifrutas dos Estados Unidos com 40% de sua mão de obra, em uma estimativa conservadora. Um dia após a posse aviões de latinos, principalmente, estavam decolando com centenas de pessoas. Tudo faz crer que não passou de um balão de ensaio. Serviu para cobrir as manchetes dos principais jornais por alguns dias. Sabendo dos danos que a decisão traria sobre sua base de apoio, o agro, o tema saiu de pauta e quase não se houve mais falar em deportações em massa. Principalmente quando os números das agências americanas foram divulgados com registros de decréscimo severo da ´invasão mexicana` , um dos principais temas da campanha presidencial.
Antes de ontem, 03 de março de 2025, o Presidente Trump anunciou impostos de importação sobre os produtos do Canadá e México, 25% e da China, com 10% adicionais às taxações em curso. De imediato o que se vê nos Estados Unidos é uma onda de perplexidade. De veículos aos alimentos, os preços dispararam e por mais que se queira dizer que a culpa é do ex-Presidente Joe Biden, o discurso não cola.
No caso do México, em especial, países que fazem parte das frutas tropicais, a exemplo da manga e da uva de mesa e das hortaliças produzidas, têm como destino os supermercados americanos. O efeito se faz sentir imediatamente no bolso do consumidor além do desmonte de cadeias produtivas de logística e crédito. Aparentemente esta é uma medida que beneficia nossas exportações de manga, uva e melão, mas não será o caso, até porque poderá chegar a vez do Brasil nesta guerra.
Exportações brasileiras para os Estados Unidos
As exportações de frutas estão em um momento de crescimento, entre 2023 e 2024 o aumento no valor das vendas foi de 24,5%, alcançando 1,35 bilhão de dólares, destacando-se a manga, a uva e o melão. Apesar do principal cliente brasileiro ser a Europa, que absorve 70% das frutas exportadas, sempre há alguma janela de mercado americano, em particular durante o final do ano, entre as comemorações de Ações de Graça e o Natal. Há algum tempo para se esperar a acomodação do mercado internacional mas uma vez que a Europa embarca em uma tendência de priorizar gastos militares em contraponto ao que os Estados Unidos anunciam como gastos na guerra da Ucrânia, provavelmente pouco sobrará para os salários e para a classe média e, consequentemente, as frutas importadas, bebidas e produtos mais refinados serão os mais sacrificados. A Europa passa por uma recessão e a tendência é seu aprofundamento.
Como ficam as commodities?
Foi anunciado pelo presidente americano que tende a elevar os impostos de produtos do agronegócio brasileiro. Isto tem causado uma onda de pânico entre as grandes indústrias produtoras e exportadoras embora uma parte substancial de suas ações pertençam a empresas americanas. Há uma sensação similar ao que ocorre no México em relação à indústria automotiva dos Estados Unidos. Neste, algumas das importantes marcas recebem mais de 50% de suas peças de fornecedores mexicanos ou canadenses.
A surpresa do processo é que parte substancial das lideranças do agro brasileiro envolvida na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2022 no financiamento de teses ultraconservadoras se alinharam de forma quase irracional à torcida pela vitória de Donald Trump nas eleições americanas. O interessante disto tudo é que viram muito bem o que ocorreu no início do mandato do governo anterior quando o Brasil se abraçou ao seu competidor no mercado mundial de alimentos e hostilizou seu principal cliente, a China, fazendo com que a partir daí procurasse se desculpar e ver quão nociva foi este movimento atabalhoado e incompetente.
Não acredito que o jogo bruto da guerra comercial chegue a tanto e aponte suas armas contra o Brasil. Em primeiro lugar os atritos abertos neste primeiro mês de governo já são suficientes para consumir a iniciativa de uma administração. Uma coisa, porém é certa, cabe às lideranças do agronegócio nacional reverem suas posições irracionais e terem em mente que o mercado não tem partido. A situação é tão cômica que um número mesmo menor de parlamentares brasileiros que apoia incondicionalmente o trumpismo foi à Washington durante a cerimônia de posse em janeiro, amargar um frio intenso quando se aventuram ir às ruas e não ser recebido por ninguém de expressão na nova conjuntura política americana.
Obviamente que em havendo qualquer ameaça de taxação correrão para pedir ajuda do governo federal ou até culpá-lo pelo fato mas a realidade é que se apostou em políticas que podem levar a dificuldades países muito mais ricos, imagine o Brasil. Por outro lado, o governo brasileiro pode e deve intervir na defesa dos interesses de cada cidadão brasileiro, lembrando que para esses que apoiaram o golpe e que transferiram parte suas riquezas para os Estados Unidos, e não foram poucos, deveriam resolver essas pendências com a matriz.
O impacto sobre o agronegócio do Semiárido
O negócio é torcer para que o mercado europeu não sofra nenhum abalo, embora países como o México tenderão a procurar outros nichos de mercado para suas mangas, uvas, melões e citros. Uma ação mais agressiva deve ser deslanchada pelo governo brasileiro e seus empresários em busca de expansão de mercado na Ásia e na África. Este trabalho de venda do produzido no Brasil tem sido feito através da Apex e a presença do Brasil nas principais feiras de hortifrutas do mundo, à exemplo da presença em Berlim, recentemente, é fundamental mas não é o suficiente. Há que se iniciar um trabalho corpo a corpo em busca real de mercados factíveis. Isto se dá a partir de estudos criteriosos, uso de negociadores experientes e das tecnologias mais avançadas de detecção de tendências de mercado. Devendo se deixar claro que o trabalho parceiro é essencial. Basta de desacertos, agressões e tagarelices, o momento é de todos estar juntos em defesa do país.
1Professor Titular da UFRPE-UAST