Facebook jornal do sertão Instagram jornal do sertão Whatsapp jornal do sertao

Pernambuco, 11 de outubro de 2025

Agronegócios

A festa da padroeira, força viva na história do Sertão

Uma infância marcada pela banda de pífano.

Postado em 11/09/2025 18:35

Colunista

Dezenove de março, Alto do Cruzeiro, Arapiraca. Comemorava-se o dia de São José, padroeiro do bairro. Da praça em que se localizava a capela em homenagem ao santo, lembro de acordar ouvindo os acordes de uma banda de pífano que se instalava na porta da residência do Sr. Juza Vital, plantador de fumo, guardião e mantenedor da igreja. Recordo bem aquele conjunto de cinco ou seis artistas, a maioria negra, com suas roupas simples e todos de chapéu, entoando a louvação com seus instrumentos simples e suas flautas de taboca, totalmente afinadas.

Passou-se o tempo e fui reencontrar o valor da banda de pífanos quando já era estudante, universitário em Recife, em tempos de uma música regional com valores que iam da Banda de Pau e Corda, Quinteto Violado, Alceu Valença, Lia de Itamaracá, Reginaldo Rossi, mas que aqui e acolá, no ambiente cult se falava com respeito e admiração pela Banda de Pífanos de Caruaru.

No Alto do Cruzeiro também morava o maestro Nelson Palmeira, moreno alto, esguio, sisudo, morando em uma casa simples da Rua Florêncio Apolinário, responsável pela condução da Banda Sinfônica de Arapiraca que animava vários momentos, incluindo os carnavais com as marchinhas e frevos. O Senhor Nelson morreu e, com ele, a banda, o coro e a formação de músicos naquela cidade. Não tem como esquecer seu endereço, ficava algumas casas antes do leiteiro, o Senhor Zuza, e muito perto do salão da macumbeira Neli. Nessa rua, à época, havia um barranco, hoje um memorial da mulher, que servia de campo para os ciganos quando passavam por Arapiraca. O medo era duplo: ser sequestrado pelos ciganos comedores de crianças ou ser tragado pela macumbeira. O certo é que um dia optei por passar pelo outro lado da rua do terreiro da Neli, o susto foi tamanho que o litro de vidro se espatifou, vendo o leite comprado há duas penas escorrer pelo barro. Não me lembro qual foi a reação de minha mãe, o fato é que cheguei em casa humilhado e derrotado pela imagem albina da minha bruxa da infância. Anos depois, soube que Neli foi vítima de um atentado quando colocava um despacho. Fiquei com pena dela. Acho que morreu em consequência, sendo substituída pelo Alfredo, um pai de santo fake, que surgiu do nada.  Nunca ouvi falar sobre sua mediunidade até vê-lo liderando um terreiro.

235ª festa para Nossa Senhora da Penha em Serra Talhada

Toda essa conversa é para chegar à festa de Nossa Senhora da Penha, em Serra Talhada, com duração de uma semana, encerrando-se no dia 8 de setembro, dia da padroeira. Há muito não frequentava a festa da praça Sérgio Magalhães, onde fica a catedral por tantos dias. Fomos três vezes apreciar as barracas de lanche, de brinquedo, de maçãs do amor, cachorro-quente, barracas de tiro, de acarajé, de hambúrguer, de bode assado, além do palco montado ao final da praça em frente onde ficavam as Lojas Americanas e a Dinâmica, de Francisco Mourato.

No primeiro dia, ao redor de nove horas da noite, ouço os acordes de uma banda, vou lá observar e vejo o cortejo de aproximadamente vinte músicos que compõem a Filarmônica Vilabelense, com suas fardas surradas, mas cheios de boa vontade e orgulho, seguidos de algumas senhoras que faziam questão de marchar ao passo da banda. Algo que deveriam ter feito com frequência durante a infância. No segundo dia de encontro com a Filarmônica, soube que ela existe há cento e vinte anos, o que foi confirmado pelo Senhor Dierson Ribeiro, historiador, professor e membro da Academia Serra-talhadense de Letras, acrescentando que a criação da banda foi uma iniciativa do tabelião Antônio Timóteo de Lima e que ela se apresenta durante a festa da padroeira desde o ano de sua fundação em 1905.

A Filarmônica deve ter tido tempos melhores, inclusive quando havia o coreto na praça e se apresentava aos domingos. Além da infância, a banda me retornou à camerata liderada pelo maestro Cacá Malaquias, cujo pai foi maestro da filarmônica de Serra Talhada. Quando homenageou o extraordinário Moacir Santos, explicou que sua escola de músicas foram as filarmônicas do Sertão e os circos. Algo tão rico e ao mesmo tempo contrastante com a música do sul dos Estados Unidos que estabeleceu estilos como o gospel, o soul e o jazz, cuja origem se deu nos campos de algodão e nas igrejas que em seus cultos dominicais primavam pelos verdadeiros shows de seus hinos prediletos. Algo tão marcante que faz com que alguns grandes músicos tenham discos exclusivos com os hinos que ouviam de suas mães, a exemplo de Johnny Cash e Linda Ronstadt. No caso dela, as músicas cantadas pelo pai, de origem mexicana.

‘Olha, lá vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão’

‘As pessoas que nela vão passando acreditam nas coisas lá do céu’. Gilberto Gil foi maravilhoso nesta música da qual a letra e o arranjo são seus. Além das missas diárias, o ápice da festa é a procissão que ocorre no dia 8 de setembro. Não a acompanhei, mas em tempos de internet e IA você vive simultaneamente os fatos, quando não os antecede. Os vídeos que circularam mostram a fé no semblante de dezenas de milhares de sertanejos acompanhando o cortejo. Confesso que não imaginava a dimensão do que representa esta procissão nem o que ela significa para a sociedade serratalhadense. Durante a semana da padroeira, milhares de irmãos e irmãs de todo o país chegam à Serra para visitar os parentes e participar deste evento único. Algo encantador para os dias atuais. Resta esperar pelo dia em que a abertura da festa de Nossa Senhora da Penha se dará, tal qual no meu Alto do Cruzeiro, na festa de São José, ouvindo-se uma das belas bandas de pífanos que povoam nosso sertão.