

A pequena e média empresa rural como unidade de negócios
O pequeno produtor é um empresário.
Postado em 09/10/2025 20:03
Há três décadas, a expressão agricultura familiar foi criada para definir as bases teóricas e práticas do pequeno e médio imóvel e da gestão familiar desses empreendimentos. A princípio, as demandas se concentravam em acesso ao escasso crédito, ao fortalecimento do sistema governamental de assistência técnica e extensão rural, às renegociações e perdões de dívidas e em delinear um hiato claro com a agricultura empresarial.
Os valores destinados ao crédito para custeio e investimento foram aumentando ano a ano, estendendo a malha dos que têm acesso ao serviço, inclusive com a agregação de linhas específicas que vão dos investimentos em sistemas modernos de uso da água e gestão, incluindo-se o uso da inteligência artificial e aparatos modernos de produção, a exemplo de dessalinizadores, sistemas de irrigação por gotejamento ou subsuperficiais, sensores de umidade, temperatura e fertilidade, comércio eletrônico, acesso ao sistema bancário, à capacitação e ao lazer.
Ao se acompanhar o discurso de segmentos que representam a agricultura familiar, nota-se uma mudança significativa de argumento, a cada dia se abandonando a imagem do agricultor familiar como a vítima de um sistema capitalismo injusto e que deveria receber um tratamento quase de misericórdia, o que se demonstrou como uma visão falha do processo de produção e inserção social e econômica. Saltando-se esses obstáculos e a desconfiança e até má vontade do dito “mercado” para com a agricultura familiar, o que se vê é uma otimização dos fatos de produção e a consolidação do agricultor familiar como um pequeno empresário rural, inclusive os assentados da reforma agrária.
Para onde vai o produto da agricultura familiar?
E qual será o destino das hortaliças, frutas, túberas, ovos, carnes, lácteos e peixes produzidos na pequena e média propriedade rural? Para quem se abastece nos supermercados, nem sempre sente a presença da agricultura familiar, mesmo sabendo que parte dos produtos frescos vem de cooperativas ou produtores individuais organizados em redes. Para os que insistem em procurar a feira livre ou de produtos orgânicos, seja nas pequenas cidades ou nas metrópoles, a relação entre o que se adquire e a produção familiar é direta.
Além do programa de fortalecimento da agricultura familiar, o PRONAF, a segunda iniciativa governamental, o Bolsa-escola, criado em 2001 no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, que em 2003, no primeiro mandato do presidente Lula da Silva, tornou-se Bolsa-família, carro-chefe do Programa Fome Zero, que chegou a erradicar o Brasil do mapa da fome em 2004, ao qual retornou em 2021, voltando a deixar esta equipe inglória em julho de 2025, é aquele que assegura o poder de compra de alimentos para dezenove milhões de famílias que fazem parte do Cadastro Único, o CadÚnico. No ano de 2024, o repasse às famílias que participam do Bolsa Família foi de cento e noventa e três bilhões de reais, a maioria desses recursos sendo usada na aquisição de alimentos. Valendo-se de chamar a atenção para o fato de que, em 2025, foram destinados 89 bilhões de reais para as diversas linhas de financiamento que compõem o PRONAF. Portanto, este binômio de apoio creditício e estímulo ao consumo é o que torna a agricultura familiar brasileira um dos segmentos mais dinâmicos da economia e da segurança alimentar do Brasil. Não sendo ao acaso que o país demonstra os menores percentuais de desemprego em sua história, ainda que a informalidade alcance 38%, demonstrando uma fragilidade a ser reparada.
Agregando valor às cadeias produtivas.
Contar com o alimento na banca da feira e no prato é estratégico, mas não o suficiente para determinar a prosperidade que se pretende traduzir no campo. Elevar a qualidade e o valor da produção familiar significa crescer a disponibilidade de renda para o agricultor e para o processamento de alimentos, seja em base familiar, indústria rural ou pequena e média empresa. Em Pernambuco, neste exato momento, puxada por uma iniciativa lançada no município de Taquaritinga do Norte, a Rede Café de Pernambuco, que engloba produtores, processadores, comerciantes e lojas de todo o estado, tem se mostrado tão dinâmica que levou os professores e técnicos da Universidade Federal Rural de Pernambuco a estabelecerem o Grupo de Pesquisadores em Café – UFRPE como filtro e qualificador da demanda em pesquisa e extensão com este produto. Fazem parte da rede colegas da UFPE, do IPA, de diversas associações e prefeituras municipais. Em breve, podendo contar com a participação de cientistas das unidades da Embrapa localizadas no estado.
Coincidentemente, durante esta semana, encontro-me presente à 80ª SOEA – Semana Oficial da Engenharia, Agronomia e Geociência, em Vitória, Espírito Santo, um estado que não tem a dimensão nem produz tanto quanto Minas Gerais, por exemplo, mas que tem sido um exemplo de valorização da cadeia produtiva do café arábica, cultivado em sua região serrana, mas que vem atingindo o café robusta, que cresce com seu consumo e mercado, seja puro ou em blends. Conforme comentado em matérias anteriores, o Espírito Santo pode se constituir em um modelo de aprendizado para os estados do Nordeste produtores de café, a exemplo da Bahia, com sua tradicional produção na Chapada da Diamantina, de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará, por exemplo.
Uma segunda cadeia produtiva que conta com as qualificações necessárias ao reconhecimento nacional e internacional é a dos lácteos, destacando-se o queijo de coalho como produto líder. Neste caso, o esforço empreendido por Minas Gerais, contando com uma rede institucional robusta que inclui a Epamig, que conta com o Instituto de Laticínios Cândido Tostes, este fundado em 1930; o Sebrae MG; universidades como a UFV, UFLA e UFMG; sessenta e oito campi dos Institutos Federais; a Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais – FAPEMIG; sindicatos, empresas, é merecedor de destaque e não por acaso as denominações Canastra, Serro, Cerrado, Araxá e Serra da Mantiqueira são portadoras de reconhecimento dentro e fora do país.
Por falar em leite e lácteos, hoje, o município de São Bento do Una recebe a visita do pesquisador Thadeu Barros, da Embrapa Gado de Corte, localizada em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, para, em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário, o IPA, a ADAGRO, a UFRPE Campus de Recife, UAST e empresários, tentar estabelecer um programa de controle da mosca doméstica, da face e do estábulo, que ocorre na região e é um fator limitante para a produção de leite, lácteos e ovos, uma vez que, neste caso, reduz substancialmente a produção das granjas pelo efeito de estresse criado pela presença dos insetos junto às galinhas poedeiras.