


A ressaca da guerra tarifária
Tática do bullying.
Postado em 16/10/2025 16:00

O governo americano, cansado de ver as prateleiras de suas lojas do Wal Mart preenchidas com produtos chineses e não vendo como criar uma política de contenção ao fato de que a China passou a ser a fábrica do mundo, resolveu partir para o tudo ou nada. Elegeu a China como ameaça número um. No que, do ponto de vista geopolítico, não deixa de ter razão. Esqueceu, porém, de rever os fundamentos econômicos e ver que não se substituem importações ou se aumenta o fluxo de compra e venda entre países somente por decreto. Inicialmente, os chineses responderam de modo profissional. Não retaliaram no mesmo nível de aposta, não propuseram nenhuma negociação, deixaram o tempo passar e, no momento, são os Estados Unidos que estão procurando uma oportunidade de diálogo.
A decisão intempestiva tem deixado algumas sequelas, em particular sobre os agricultores do meio-oeste, principais produtores de grãos e que contavam com o mercado chinês como principal cliente. Ao ver o veto chinês à soja, milho e sorgo, de uma hora para outra, viram o crescimento dos estoques e a voracidade dos concorrentes pelo mercado perdido. Neste quesito ganharam o Brasil, a Argentina e o Paraguai. Para piorar a situação, o governo anuncia um empréstimo salva-vida ao governo de Miley de vinte bilhões de dólares, um dos principais concorrentes do agronegócio americano. Há dúvidas sobre a eficácia da medida visando à permanência do atual governo argentino, primeiro porque o valor não é o suficiente para salvar, segundo se chegará a tempo de ser usado e, por último, qual o preço que a Argentina tem a pagar ao credor. Há quem diga que a dignidade e orgulho do povo argentino foram ao ralo.
Quando o Brasil usou do confucionismo?
Por razões que não têm nada a ver com o processo chinês, os americanos resolveram aplicar aos bens exportados pelo Brasil tarifas de 50%, o mesmo ocorrendo com a Índia. No primeiro instante, uma fração menor, mas barulhenta, cobrou do governo Lula uma rendição incondicional. Correr para a Casa Branca e, como Zelensky, presidente da Ucrânia, se ver rodeado por Trump e seus asseclas em um processo de humilhação e execução pública.
Um outro segmento mais radical e insano vociferava por tarifas ainda mais elevadas caso o Judiciário brasileiro não suspendesse de imediato um processo de golpismo que se processava contra um ex-presidente. A tese inicial de que o Brasil teria superávit comercial com os Estados Unidos foi desmascarada, demonstrando que a peça era unicamente política. O resultado é que a ação, após a conclusão do processo criminal, desencadeou uma avalanche de apoio ao executivo e ao judiciário, heróis em defesa de um regime democrático e antídoto ao golpismo. Aqueles que faziam fila bajulatória nos corredores do Departamento de Estado, de uma outra para outra, se viram abandonados e, para total desprazer, ter que ver o governo abrir as conversações de forma amistosa, seja falsa ou não, com o governo brasileiro.
Importante se considerar que o governo brasileiro respondeu de forma tão ou mais profissional do que o chinês. Viu a carruagem passar e os cães latirem e, enfim, roucos, sem que tivesse sobrado um osso sequer para o banquete. Na realidade, os principais advogados da causa brasileira foram os empresários americanos cujas empresas fazem negócios com o Brasil. Do setor automobilístico ao de alimentos, todos viram que estavam correndo contra a maré.
Gritou, mas não levou.
No caso do semiárido nordestino, a primeira reação foi desencadear uma cantilena de previsões catastróficas. Todos estariam perdidos e, para tal, apresentaram à negociação um conjunto de negociações que nada havia de real. Dispensa de dívidas, renegociação infundadas, recursos para divulgar os produtos no exterior e, para não ficar por menos, culpar o governo brasileiro por estar sendo agredido em sua soberania.
Passou-se o mês de agosto e verificou-se que o fluxo continuava o mesmo. Chegou setembro e ficou demonstrado que os Estados Unidos não poderiam deixar de comprar a manga brasileira pelo simples fato de somente o nordeste do Brasil produzir este produto nesta janela. De uma hora para outra, os arautos do caos desapareceram e viram que seus elementos de barganha eram falsos ou fúteis. O café que seria sem mercado consumidor rapidamente encontrou novos compradores e o fato é que, após o tarifaço, o saldo da balança comercial brasileira foi ainda mais positivo.
O futuro é promissor.
Não se pode prever o que os Estados Unidos irão fazer para que os chineses voltem a comprar seus grãos e produtos de elevada base tecnológica. O fato é que há um curto-circuito na base produtora do Corn Belt, em que os agricultores se sentem perdidos, traídos e sem acreditar que a partir de agora irão sobreviver com uma ajuda do governo americano, o que pode ocorrer ou não. Sendo o mais provável que o próprio governo dê um calote em sua principal base de apoio.
Já o Brasil, com sua política de respeito a seus consumidores, vê sua agenda sendo crescida a todo o momento. Os que se colocaram como porta-vozes do governo dos Estados Unidos e aqueles que trabalharam por tarifas, suspensões de vistos e guerra total ficaram desmoralizados e à deriva. Nos Estados Unidos, são considerados como peças irrelevantes dentro do cenário real de negociações e, no Brasil, meros traidores.
As forças do mercado, não confundir com o mercado especulativo brasileiro, têm regras próprias e duras, mas nem sempre chegam à extrema violência verbal ou militar. O que deixa a entender que a elite americana, apesar dos riscos que correm, é mais racional e não vê o país desencadear um processo de descrédito ainda pior do que o que se encontra em curso.
1. Professor titular da UFRPE-UAST, em Serra Talhada, PE.