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Pernambuco, 12 de fevereiro de 2025

Coluna Psicanálise no Cotidiano

Apodrecimento cerebral e a era da hiperconexão: um convite à reflexão e ao cuidado com a mente

“Em meio à hiperconexão, o desafio é desacelerar, ouvir o silêncio e redescobrir o humano no essencial. Pausar é resistir.”

Postado em 20/01/2025 2025 20:00 , Coluna Psicanálise no Cotidiano. Atualizado em 20/01/2025 21:42

 

Vivemos em tempos acelerados, onde o deslizar de um dedo na tela parece conduzir não apenas nossos dias, mas também nossos pensamentos. O fenômeno que muitos chamam de Brain Rot – esse “apodrecimento cerebral” metafórico – não é apenas uma consequência da tecnologia, mas um reflexo de uma sociedade que se alimenta de estímulos incessantes e superficiais. O paradoxo é evidente: nunca fomos tão conectados, mas nunca estivemos tão desconectados de nós mesmos e dos outros.

A busca incessante por prazer imediato é sedutora. Pequenos fragmentos de dopamina são liberados a cada curtida, a cada meme, a cada vídeo que nos faz rir por poucos segundos. Contudo, esse prazer fugaz traz consigo uma armadilha: ele não nos preenche, mas nos deixa ainda mais vazios, como quem tenta saciar a sede com água salgada. Freud, ao propor o princípio do prazer, já intuía essa dinâmica; buscamos evitar a dor e alcançar o prazer com o menor esforço possível. Mas será que o conforto do superficial não nos torna reféns de uma existência cada vez mais rasa?

A fragmentação do tempo na era digital transforma nosso dia em um mosaico de atividades que raramente dialogam entre si. Perdemos a capacidade de sustentar a atenção em algo que exija profundidade. O vazio, que antes era um terreno fértil para a criação e introspecção, agora é preenchido por barulho. Perdemos o hábito do devaneio, aquele estado tão essencial para que o inconsciente elabore, transforme e dê sentido àquilo que vivemos. O vazio que evitamos é, ironicamente, o espaço onde a vida realmente acontece.

Esse distanciamento de nós mesmos reflete-se também nas relações. A conexão verdadeira requer presença, atenção e entrega. Winnicott dizia que o estar junto é mais do que uma proximidade física; é um encontro de afetos autênticos, um espaço de segurança e reconhecimento mútuo. Mas, em um mundo onde interagimos mais por emojis do que por palavras, onde substituímos conversas por memes, o que sobra de nossas relações? Elas se tornam funcionais, mas desprovidas de profundidade, incapazes de sustentar a intimidade que tanto desejamos.

Se o Brain Rot é uma consequência da cultura de hiperconexão, a solução não está em um retorno romântico à cabana de Thoreau, mas em um equilíbrio que nos permita resgatar o essencial. Pequenos gestos podem ser revolucionários: desligar notificações, abraçar o tédio, dedicar tempo a um livro, a uma música inteira ou a uma conversa sem pressa. Não é sobre rejeitar o novo, mas sobre escolher conscientemente o que merece nossa atenção. Como nos ensina a psicanálise, o desejo humano é potente, mas precisa de tempo e profundidade para florescer.

Resistir à lógica do prazer imediato é mais do que um desafio individual; é um ato de coragem diante de um sistema que nos empurra para a distração constante. Reaprendermos a pausar, a contemplar e a escutar a nós mesmos pode ser o início de um movimento de reconexão, tanto com nossa interioridade quanto com os outros. Afinal, é no encontro – seja ele interno ou externo – que reside a possibilidade de um viver mais autêntico, menos ansioso e, sobretudo, mais humano.

Cuidar da saúde mental em tempos de hiperconexão exige uma atitude consciente e compassiva em relação a nós mesmos. A psicanálise, com sua capacidade de abrir espaços para a escuta profunda e o autoconhecimento, oferece um caminho para resgatar a singularidade de cada indivíduo em meio ao caos da superficialidade contemporânea. Ao acolher o vazio, a angústia e o desejo como partes fundamentais da experiência humana, ela nos convida a desacelerar, a refletir e a buscar sentido onde antes havia apenas ruído. Mais do que uma terapia, a psicanálise é uma prática de resistência contra o imediatismo, ajudando-nos a construir narrativas mais ricas e coerentes para nossas vidas e a nos reconectar com o que realmente importa: nossos afetos, nossos sonhos e nossa própria humanidade.

 

 

Daniel Lima, psicanalista (GBPSF/INSF).

Pós-graduando em dependência digital;

Pós-graduado em psicanálise e teoria analítica.

www.psicanalisedaniellima.blogspot.com

daniellimagoncalves.pe@gmail.com

@daniellima.pe

(87)99210-5658