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Pernambuco, 12 de novembro de 2025

Cultura

“No mundo, não há espaço para exclusão. Há lugar para todos abaixo do sol”

Entrevista exclusiva com o padre Airton Freire, membro do clero da Diocese de Pesqueira (PE) e presidente da Fundação Terra. O padre Airton Freire aborda diversos temas como a importância da inclusão social, a necessidade de expurgar a intolerância, o racismo, a megalomania , do seio da sociedade. Convoca a todos (as) a refletir nesse período de Páscoa, o verdadeiro significado da vida, em toda sua plenitude.

Postado em 14/04/2022 11:00

Jornalista ,

Nessa entrevista que fizemos com o padre Airton Freire, depois de dois anos de pandemia, em isolamento social, longe de todos e todas, temos à frente, em curso, o período da Páscoa, para celebrarmos com reflexões e pensamentos sábios tudo que passamos nesse longo período.

Alguns momentos da entrevista, pensamentos do sacerdote ficaram em nossas mentes, entre os quais: “Agora, eu percebo avanços, quase ao final da pandemia. As pessoas entendem que só uma coisa importa: confiar, acreditar, fazer o que estiver ao alcance, humanamente possível e o impossível dentro dela. Nós sobrevivemos. Ainda temos que aprender. A vida é feita para que o ser humano possa nela encontrar um sentido de viver, porque tudo passa, a mais intensa noite, a maior alegria, a mais escura noite, tudo passa….”.

Padre Airton também fala sobre o período atual conturbado de guerras, da preocupação com o período eleitoral, da intolerância em todos os seus sentidos. E nos deixa um recado: “Eu sou do princípio da inclusão. Diferente, quando deseja somar, acrescenta. Sou pelo princípio da inclusão, não da exclusão. Há um lugar para todos abaixo do sol. Agora, guardem isso: estamos em um ano eleitoral. As famílias vão se dividir pela sua opção política, que não vale a pena, a exclusão por nenhum motivo. Aí vai um recado: que os políticos defendam o povo, assim como o povo os defendem e até separam-se dos mais próximos por causa deles. Toda intolerância é inaceitável”.

Boa Páscoa.

Jornal do Sertão – O mundo está vivendo um período bastante conturbado, difícil, vivendo diversas guerras: a saúde, a fome, miséria, desemprego, conflitos armados, poder, na política. Com suas palavras sábias, o que tem a nos dizer sobre tudo isso? Como reagir com sabedoria a tantas injustiças e desesperança?

Padre Airton Freire – Toda situação de crise gera mudanças. Todo momento de privação nos instiga, nos incita a fazer e encontrar saídas. Tais turbulências que acontecem no mundo, em qualquer setor, eu entendo como um processo de amadurecimento. Eu percebo que, o que agora se passa, nos leva a avançar na direção do foco que temos em mente.

Aprendemos com o sofrimento, aprendemos com os erros, aprendemos com as arrogâncias dos outros ou de nós mesmo. Aprendemos com as megalomanias, com os avassalamentos. Aprendemos. O mundo passa por uma crise, mas ao bem será dada a última palavra, o último momento.

JS – Nessa batalha diária, o mundo exige de todos e todas, uma excelência em todos os aspectos pessoal e profissional. Como sacerdote, o senhor diria que a humanidade está caminhando pro lado “errado” e esquecendo do mais importante: o amor?

Padre Airton FreireToda etapa de crise gera mudanças de comportamento. As pessoas buscam a profissionalização. Valores que a pandemia nos mostrou é que a nossa vida é um sopro. Pode passar de repente… Para mim esse é um grande ensinamento da pandemia, que o inesperado é algo que pode acontecer dentro do planejado.

JS – Entre os vários males que a pandemia da Covid tem causado à humanidade, o senhor acredita que o isolamento proporcionou uma maior consciência pela fé? Ou não?

Padre Airton Freire – Então, os valores espirituais sendo deixados de lado, a comunidade, o povo de Deus, procurará outra forma de preenchê-lo. Com superstições, crendices, com poder, com ideologia, algo dessa natureza, mas que essas coisas não poderão provê-la, assim eu penso.

JS – Estamos há dois anos sem poder estar juntos com nossos familiares nesse período da páscoa. Agora, esse momento será possível. Em seu entendimento, a pandemia trouxe uma maior valorização pela família?

Padre Airton FreireNa pandemia, a família entrou em crise. As pessoas que, antes tinham como se habitarem, usando como pretexto trabalharem muito, e não terem tempo tiveram que ficar juntos. Algumas famílias até assim se mostraram e aí as tensões aumentaram entre as pessoas no confinamento. Em 40% foi o aumento do consumo de álcool e o abuso contra mulheres e crianças e um percentual pouco acima em separações. A família entrou em crise.

JS – Qual conselho daria para todos e todas nessa páscoa?

Padre Airton Freire – Toda crise leva a estagnar ou então a avançar. Aliás, eu percebo avanços, agora, quase ao final da pandemia. As pessoas entendem que só uma coisa importa: confiar, acreditar, fazer o que estiver ao alcance, humanamente possível e o impossível dentro dela. Nós sobrevivemos. Ainda temos que aprender. A vida é feita para que o ser humano possa nela encontrar um sentido de viver, porque tudo passa, a mais intensa noite, a maior alegria, a mais escura noite, tudo passa, só Deus é que permanecerá.

Fundação Terra

Padre Airton Freire ao lado de crianças, mães, famílias assistidas pela Fundação Terra/Foto: Divulgação

 

JS – O senhor teve uma experiência de vivenciar a miséria de um lixão, inclusive chegou a morar em um lixão em Arcoverde. Foi quando resolveu criar a Fundação Terra? Poderia nos falar sobre essa passagem na sua vida.

Padre Airton Freire – Nos pobres eu me encontrei. Encontrei quem pudesse me acolher. Quando estava doente de úlcera estomacal, pelo impacto que causou em mim a miséria, a comadre Marlene dizia: compadre Airton o senhor quer comer banana esmagada, bem molinha com leite e eu comia uma parte das esmolas que a comadre Marlene recebia. Aí literalmente, eu mudei de lugar.

O pensamento mudou a partir deste lugar. Daí surgiu a necessidade de não me conformar com aquela situação e ajudá-los a superar-se e eu próprio faria em mim uma superação. Eu entendi que os pobres têm muito a nos ensinar. A misericórdia, espiritualidade que hoje nós praticamos.

 JS – A Fundação Terra tem uma atuação além de Arcoverde e Recife. Há alguma intenção de ampliar essa área de atuação para outros estados?

Padre Airton Freire – A expansão da Fundação Terra tem se dado naturalmente. Com pessoas após os retiros, após conhecerem a Fundação, o trabalho que é feito, elas buscam fazer o mesmo em seu local. Quando há grupos bem estruturados, grupos que seguem nossa espiritualidade, de misericórdia, elas encontram meios de realizar.

Temos a unidade da Fundação Terra em Arcoverde, Pesqueira, uma plantação do orquidário, atendimento com as pessoas locais; No Recife, com os moradores de rua; Juazeiro do Norte, uma unidade está sendo construída; Em Maracanaú, na Grande Fortaleza, um trabalho com crianças, escola, arte, mães carentes, naturalmente os trabalhos vão surgindo. Acredito que a vontade do Pai é que se faça o que tiver ao nosso alcance, pois do impossível ele proverá.

JS – Quais os principais serviços e benefícios prestados pela Fundação Terra? Onde e quantas pessoas já foram atendidas?

Padre Airton Freire – Não saberia dizer quantos, mas são 144 mil procedimentos por ano que acontecem atendendo a 35 municípios. São jovens e pessoas que acordaram para a vida, não saberia dizer quantos… A Fundação é um grande mutirão que atua nas áreas de educação, saúde e social.

Campanha Declarante do Bem

JS – Este ano a Fundação Terra lançou novamente uma campanha de doação solidária do Imposto de Renda. Como tais recursos irão ajudar a entidade e a comunidade?

Padre Airton Freire – Os recursos que conseguirmos da campanha de Imposto de Renda vamos receber 80% para aprovação dos projetos. Todas as nossas áreas ajudam os pobres, as crianças, os netos, bisnetos, tetranetos, decanetos e estamos assim há 38 anos.

JS – Em outros anos, houve boa receptividade da sociedade? O senhor acredita que exista uma consciência solidária dos mais ricos em relação aos mais desassistidos?

Padre Airton Freire – A consciência de ajudar aconteceu sobretudo na primeira fase da pandemia. Depois, do distanciamento social, há quem diga, do confinamento, as pessoas se deram conta de que se não se ajudassem mutuamente todos perderiam. Porque o que estava acontecendo consigo poderia acontecer. E acreditem, a pandemia começou com as classes mais endinheiradas e chegou aos pobres. Mas, uma curiosidade, pelo menos, a quem nós atendemos aqui em Arcoverde, os idosos de nosso abrigo, também não conheceram o coronavírus, todos foram vacinados. O que entendo é que ou a gente se ajudava ou todos nós pereceremos. Até por doença, por inanição, física ou psíquica, além da solidão.

Intolerância, preconceito, racismo

“A intolerância é inaceitável” reforça Airton Freire/Foto: Divulgação

 

JS -Temos, infelizmente, presenciado a intolerância sob todos os aspectos aqui em nosso País. O senhor diria que tal infortúnio induz a sociedade a semear ódio entre si?

Padre Airton FreireEu sou do princípio da inclusão. Diferente, quando deseja somar, acrescenta. Sou pelo princípio da inclusão, não da exclusão. Há um lugar para todos abaixo do sol. Agora, guardem isso: estamos em um ano eleitoral.

As famílias vão se dividir pela sua opção política, que não vale a pena, a exclusão por nenhum motivo. Aí vai um recado: que os políticos defendam o povo, assim como o povo os defendem e até separam-se dos mais próximos por causa deles. Toda intolerância é inaceitável.

JS – O Brasil talvez seja um dos países mais diversificados na questão racial. Somos um mix de ramificações. Somos um país plural. Entretanto, uma nação, em sua maioria racista, preconceituosa e misógina. O senhor concorda?

Padre Aírton Freire – Repito o que disse anteriormente: Toda forma de exclusão não dignifica. Há lugar para todos abaixo do Sol. Há pessoas que são o que são por que são, simplesmente isso. Eu não posso pensar tão somente eu olhando para o lado de cá, para o lado de lá, nem somente para o lado de cá, eu preciso entender que há pessoas que gostam e que não gostam de nós e que estão entre nós ou estão do lado de lá. Isso, de lados, digo.

Deus é Pai de Todos, então quando a chuva cai é sobre justos e injustos, sobre bons e maus, quando o sol nasce. Somos todos irmãos. Em alguns pontos, somos bastante semelhantes, mais do que imaginamos sobre nós mesmos. Por isso eu sou pela inclusão. Há lugar para todos abaixo do sol.