


Livro Estrelas de Couro: a Estética do Cangaço, de Frederico Pernambucano de Mello ganha nova roupagem
Obra ganha sua quarta edição editada em formato de revista pela Cepe e revela a cultura do cangaço por meio dos trajes, armas e utensílios domésticos do cangaceiro. Lançamento acontece nesta quarta-feira, às 18h, no Museu Cais do Sertão, no Recife
Postado em 12/04/2022 17:30
“O Sertão é meu campo de estudo”, diz o historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor do livro Estrelas de couro: A Estética do Cangaço, que ganha sua 4ª edição em formato de revista pela Cepe Editora, com lançamento nesta quarta-feira, às 18h, no mezanino do Museu Cais do Sertão, Espaço Todo Gonzaga, no Bairro do Recife.
Com uma nova roupagem, “uma joia editorial” como parafraseou Frederico Pernambucano ao citar as aspas do jornalista e escritor Mario Hélio, em artigo recente publicado, Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço chega em um momento oportuno, com uma apresentação para deixar qualquer sertanejo, pernambucano, brasileiro cheios de orgulho.

Frederico Pernambucano de Mello, historiador e autor do livro
“Diria que algumas imagens tiveram um tratamento singular pelas mãos da equipe da Cepe. Cabeças cortadas que só falta o cheiro para torná-las ainda mais reais. Digo sempre que o livro sobre estética, depende muito mais da estética do que a palavra”, comentou ao JS o historiador Frederico Pernambucano de Mello.

Crucifixo que pertenceu à baronesa de Água Branca, Alagoas, 1922, Coleção privada.
Na obra, o cangaço recebe a visão criteriosa e estudada durante mais de 40 anos de pesquisa pelo historiador sobre o tema, sob um olhar estético por meio dos trajes, armas, adornos e utensílios domésticos utilizados pelos cangaceiros e tendo como principal protagonista Virgulino Ferreira da Silva vulgo Lampião e seu grupo. “Não há muitas publicações sobre estética no Brasil. Quase sempre o que se encontra são absorções locais de temáticas estrangeiras”, afirma Frederico.

Lampião costurando, 1936. Postal da Coleção Pernambucano de Mello. Foto: B. Abrahão
Com prefácio mantido e escrito pelo eterno Ariano Suassuna (1927-2014) na 1ª edição do livro, em 2010, a obra é revestida de fotografias de Lampião e seus asseclas, notas explicativas ao final de cada um dos sete capítulos que compõem o livro de 300 páginas, com apêndice em inglês e extensa bibliografia. Além das fotos do acervo de objetos da coleção particular do autor – considerada “a mais completa, rigorosa e rica dentre quantas existem no país sobre o assunto”, diz o próprio Frederico, a nova edição traz ainda xilogravuras de Jota Borges, capas de revista e obras de arte sobre a temática do cangaço.
“E se há no Cangaço um elemento épico, este é ainda exacerbado pelos trajes e equipagem dos cangaceiros, com os seus anéis e medalhas, seus lenços coloridos, seus bornais cheios de bordaduras, os chapéus de couro enfeitados com estrelas e moedas — tudo isso que se coaduna perfeitamente com o espírito dionisíaco de dança e de festa dos nossos espetáculos populares e compõe uma estética peculiar, rica e original, agora minuciosamente estudada por Frederico Pernambucano”, escreveu Ariano, no prefácio.
O texto e riquezas do cangaço

Lampião ao lado de Maria Bonita e do Estado Maior do bando, 1936
A escrita dos textos se deu após muitos estudos e viagens ao Sertão, onde Frederico recolheu depoimentos de remanescentes do que ele chama de “ciclo histórico do cangaço”, ocorrido entre as décadas de 1920 até 1938, ano em que Lampião e os cangaceiros foram mortos. Ao iniciar a pesquisa, Frederico formou sua coleção particular, já apresentada em São Paulo, Rio de Janeiro, Chile e Inglaterra. Como resultado do trabalho, o historiador destaca a necessidade de ampliar o conceito de banditismo que se utilizava até então.
“Por muitos anos, o Cangaço foi apenas sinônimo de “banditismo rural”, como a ação dos beatos sertanejos foi apenas uma expressão de “fanatismo religioso “. Os antigos soldados de volantes policiais que escreveram memórias demonizavam o Cangaço sem atenuantes. Os marxistas o exaltavam como “resposta aos excessos do coronelismo”, esquecidos de que coronel e cangaceiro formavam no sertão uma simbiose, auxiliando-se mutuamente, apenas se desentendendo de forma episódica”, explica o autor.
Símbolo de resistência, o cangaço é o repúdio à adoção dos valores ditados pelo europeu colonizador à custa de sangue – o que ocorreu igualmente em muitas revoltas pelo país, como o massacre ocorrido em Canudos. “Com efeito, houve um Brasil que, desde a origem, não se dobrou aos valores europeus trazidos pelas caravelas – ao mercantilismo, à pontualidade, ao tempo linear, à acumulação de riquezas e de alimentos – e se manteve irredento. Arredio a tudo isso, por atitude ou militância até mesmo armada”, reflete Frederico, que no livro aponta a destruição da cultura dos insurgentes pelo governo brasileiro, ato que apaga a história e, portanto, a memória. “Quantos dos nossos museus não estão rindo com dentadura postiça?”, escreve o especialista.
Os cangaceiros como cavaleiros medievais
O capricho que o cangaceiro confere a suas vestes é comparado ao dos cavaleiros medievais europeus e aos samurais orientais, diz trechos do livro. “O traje do cangaceiro é um dos exemplos demonstrativos do comportamento arcaico brasileiro. Ao invés de procurar camuflagem para a proteção do combatente, é adornado de espelhos, moedas, metais, botões e recortes multicores, tornando-se um alvo de fácil visibilidade até no escuro”.

Lampião o aroma de França. Coleção Pernambucano de Mello. Foto: Fred Jordão

Chapéu de Lampião, 1938. Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas
Essa contradição se explica pela crença no sobrenatural “em nome do qual ele exerce uma missão, lidera um grupo, desafia porque se acredita protegido e inviolável e, de fato, desligado do componente da morte”, explica o historiador. Ele acrescenta também que Lampião e seus companheiros eram afeitos a itens de luxo, como lenços de seda, perfume francês e óculos alemão.
No momento, Frederico atua como consultor da Globoplay, que está desenvolvendo a série Guerreiros do Sol, sobre Lampião e Maria Bonita. A previsão de estreia é para 2023, além de um projeto de criação do Museu do Cangaço, pela Fundação Joaquim Nabuco, e possivelmente, ainda a ser definido, com subsedes nos municípios de Floresta e Serra Talhada, onde grande parte do cangaço brasileiro foi vivenciada.