A clínica on-line, que se tornou tão comum nos últimos anos, muitas vezes é vista com desconfiança. Será que a análise pela tela mantém a mesma profundidade da experiência presencial? Como psicanalista, tenho vivido esse desafio de perto. E posso dizer: se por um lado o digital nos priva do encontro físico, por outro ele nos ensina que a essência da psicanálise não está nas paredes do consultório, mas na possibilidade de criar um espaço psíquico vivo, mesmo à distância.

O psicanalista André Green falava da importância do “negativo” — o silêncio, a ausência, aquilo que não se mostra de imediato. Curiosamente, o ambiente on-line potencializa esse negativo: a queda de conexão, o delay, a sensação de vazio entre as falas. Longe de ser apenas um obstáculo, esses vazios podem se tornar matéria do processo analítico, abrindo espaço para novas formas de simbolização.

Outros pensadores contemporâneos também nos ajudam a compreender esse cenário. René Roussillon lembra que a psicanálise não depende de uma técnica rígida, mas da possibilidade de transformação que nasce do encontro. Antonino Ferro nos convida a ver a clínica como um tecido de narrativas compartilhadas — e até mesmo os ruídos tecnológicos podem entrar nessa trama. Thomas Ogden, com sua ideia de “terceiro analítico”, mostra que analista e paciente continuam, mesmo pela tela, a construir juntos uma experiência psíquica única.

Claro, há riscos. A perda da ritualidade de ir ao consultório, a banalização do setting, a tentação de tratar a análise como mais uma videochamada qualquer. Mas, como nos lembra Christopher Bollas, a psicanálise é também uma arte de lidar com a criatividade do inconsciente. E talvez o on-line seja justamente um desses novos cenários criativos, em que outros modos de presença se tornam possíveis.

No fundo, a psicanálise on-line não é uma versão menor da presencial. É uma modalidade diferente, que exige reinvenção técnica e abertura teórica. Porque, seja diante do corpo ou através da tela, o que sustenta a análise continua sendo o mesmo: o encontro transformador entre dois inconscientes.

Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe