

A coragem de ser a si mesmo no palco da vida
A psicanálise aprofunda essa compreensão, mostrando como somos impulsionados por um Supereu exigente e pela busca do desejo do outro, que nunca nos completa.
Postado em 31/08/2025 10:00
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe
Na incessante busca por validação externa, muitas vezes nos perdemos de nós mesmos, um paradoxo que se manifesta na pesada máscara que vestimos para agradar. Essa dinâmica, onde a persona social sufoca a essência, revela-se nos gestos mais sutis do cotidiano: desde a comparação com vidas alheias nas redes sociais até o automático “sim” dito contra a própria vontade. Essa constante performance, embora pareça proteger, é exaustiva e impede o contato com a pulsação vital do nosso ser, deixando-nos distantes da nossa verdade mais profunda e da distinção entre quem “se” é e quem realmente somos.
A sociologia e a filosofia lançam luz sobre essa inquietação. Conceitos como o “teatro social” de Goffman, a economia de reconhecimento de Bourdieu e a vigilância do “panóptico digital” de Foucault explicam como a vida em sociedade nos molda e nos pressiona a estar sempre atualizados. Filósofos como Rousseau, Nietzsche e Kierkegaard, por sua vez, alertam para o perigo de viver em conformidade com o olhar alheio, que pode nos levar à inautenticidade e à perda da singularidade. Essas perspectivas revelam o alto preço de abdicar da nossa voz interior em nome da aprovação externa, transformando a busca por aceitação em uma prisão.
A psicanálise aprofunda essa compreensão, mostrando como somos impulsionados por um Supereu exigente e pela busca do desejo do outro, que nunca nos completa. Christopher Bollas contribui com a noção do “não-pensado conhecido“, aquelas experiências profundas que não conseguimos simbolizar, mas que influenciam nossa psique; a pressão para impressionar bloqueia nossa “generatividade psíquica“, impedindo-nos de integrar essas vivências. René Roussillon complementa ao destacar que, embora nos construamos nas relações, a busca incessante por reconhecimento pode gerar uma “dependência primária“, onde a identidade fica refém da validação externa, dificultando a construção de “auto-aparelhos” que nos permitiriam integrar experiências e suportar o “trabalho do negativo“.
Assim, a pergunta “quem eu seria se ninguém estivesse olhando?” se torna um convite para reajustar nossa bússola interna. O caminho de volta para casa não exige isolamento, mas uma série de “atos psíquicos” conscientes: silenciar o ruído digital, ouvir o corpo, buscar conversas genuínas, aceitar a “mediocridade necessária” e resgatar hobbies improdutivos. A liberdade reside não em impressionar o mundo, mas em ter a coragem de habitar a própria vida com uma “coerência dinâmica” – ajustando a persona sem perder a essência. No fim, a maior conquista é o alívio de se reconhecer: imperfeito, mas verdadeiro; frágil, mas inteiro, mantendo a firmeza para guiar o próprio caminho sem se entregar ao olhar de fora.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe