
O Natal no semiárido, juntando a tradição e o novo
As meninas e mocinhas das famílias do bairro faziam questão em fazer parte da coreografia, sejam como pastorinhas; a mestra e a contramestra; a diana, em cima do muro com seu traje com uma metade azul e a outra vermelho; as borboletas e o pastor.
Postado em 22/12/2022 2022 20:00 , Colunistas. Atualizado em 21/12/2022 17:42
Jornal do Sertão
Os pastoris que ficaram para trás
Lembro bem do pastoril, uma comemoração típica da época natalina que, segundo consta tem origem em nossa origem lusitana. O tablado ao lado da capela de São José, no Alto do Cruzeiro, na então efervescente Arapiraca, a decoração azul e vermelha, as luzes de bulbo nos postes ao redor e a comemoração que se dava durante todo o mês de dezembro.
As meninas e mocinhas das famílias do bairro faziam questão em fazer parte da coreografia, sejam como pastorinhas; a mestra e a contramestra; a diana, em cima do muro com seu traje com uma metade azul e a outra vermelho; as borboletas e o pastor. Pelas personagens se vê que foi um teatro iniciado nas aldeias e com pessoas que viviam no campo a pastorear as ovelhas e vacas.
Era a diversão dos mais humildes já que se contava com shows gratuitos durante a temporada e a forma da paróquia arrecadar o dinheiro para algum investimento, como pintura, recuperação do prédio, compra de novos paramentos, ou dos bancos da igrejinha e, sei lá, uma parte para os padres.
Cresci e nunca mais ouvi falar no pastoril. Quando da adolescência já não contava mais com a festa natalina e, ao sair para Recife, não me lembro de alguém haver falado que, em algum bairro, havia um pastoril aos moldes daquele do interior.
As festas das padroeiras e o disco de Roberto Carlos
No interior de Pernambuco, já na universidade, durante os estágios de final de ano, além das festas de padroeiras que ocorrem em vários municípios, embora a de Serra Talhada seja no mês de setembro, o que se ouvia mesmo era o recém-lançado disco de Roberto Carlos.
Lembro muito bem de alguns dias passados em Araripina estagiando na Estação do IPA sob a tutoria do grande amigo José Tavares. Os estudantes ficavam hospedados na Serra, mas creio que em um final de semana desci para a cidade e durante a noite, além do ´desfile` em que todos, em especial as meninas se mostravam elegantes e faceiras no passeio ao redor da praça, os alto-falantes faziam questão de atiçar os corações, iniciar os namoros e consolidar os noivados. Velhos tempos, belos dias.
No quesito música nenhum outro cantor conseguiu marcar três décadas com sucessos anuais e a espera aguardada da chegado do LP nas lojas de disco das cidades ou daqueles que se antecipavam e comprava quando de suas idas à Recife.
Luiz Gonzaga, que durante esta semana estaria completando 110 anos, se ainda estivesse entre nós, é a maior referência da música nordestina, transformando o baião em forró e nacionalizando nosso ritmo. Ninguém fez tanto pela região quanto ele. Roberto Carlos é outra situação, logo após a bossa nova, um ritmo que levou a música brasileira ao cenário internacional; vem a jovem guarda, um estilo tipicamente romântico e popular, coincidindo com os tempos de exceção e um contraponto à MPB de Chico, Vandré, Elis Regina, Caetano, Gilberto Gil, Betânia e alguns mais.
A verdade é que nenhum país canta em uma única nota musical e a riqueza dos ritmos e estilos fizeram do Brasil um dos países mais admirados no mundo por sua versatilidade, espontaneidade e sua poesia. Se ouve uma guinada para simplório, ao menos podemos gostar do que se tem de melhor.
Todos querem ver os familiares
Tal qual em outros países, o Natal é tempo de viagens. Quando os nordestinos que se encontravam no Sudeste e Sul, normalmente retornavam para ver a família e se preparar para o inverno que estava prestes a se iniciar. Trazia o que havia economizado entre junho e novembro e reconstruía sua família para os próximos meses. É importante chamar a atenção que, ainda hoje, não são poucos os irmãos que fazem este ciclo migratório todos os anos e são milhares de famílias que privam-se de seus pais por meses à fio, em ume menor intensidade, que se diga.
Lembrando dos retornados, parece que o clima vem mudando ano após anos nas últimas décadas. Traziam de São Paulo, em particular, casacos, cachecóis e cobertores de lã e, os que trabalhavam durante a noite, os capotes pesados dos quais não se ouve mais falar.
Voltando ao caso, com a perspectiva de uma vida mais digna no Nordeste, esta migração foi diminuindo de intensidade, sendo lembrada ao se ver nas estradas os ônibus das empresas Gontijo, Guanabara e o que sobrou da Itapemirim e da São Geraldo. O saldo migratório tende a ser negativo. Chega ao Nordeste uma quantidade superior ao número dos que saem.
Algo novo festassem nossas ceias
Comparado a outras regiões, nossas festas são comemoradas de modo diferente. Nem sempre com a pompa da ceia de Natal ou do peru assado. Ouvem-se os clássicos de Natal, principalmente as músicas americanas. Talvez alguém se lembre dos discos de músicas natalinas, de Nat King Cole e Frank Sinatra, ou das versões que ouvíamos nas rádios locais ao final do dia. Entre nós esta tradição não é tão forte, mas nas regiões em que o Natal é a principal festa do ano, continua muito comum as cantatas dos coros nas igrejas e os ballets, destacando-se entre todos a Suíte Quebra-nozes, de Tchaikovsky. Do Bolshoi, de Moscou, à Royal Opera House, de Londres até o Metropolitan de Nova Iorque, esta peça é indispensável.
Quanto as iguarias e presentes natalinos, veio à tona dias atrás pelo nosso amigo Ivanildo Melo, o fato das pitaias, uma cultura nova para a região, cultivadas pela D. Maroca, em Mirandiba, terem madurecido ao mesmo tempo e ele estava tendo dificuldade com a comercialização. Em conversa com a amiga Edineide veio à tona os presentes os mimos de final de ano que, no nosso caso, em complemento aos deliciosos chocolates, poderiam compor a caixa de presente os umbus, as uvas, as goiabas e as pitais. Uma adição do sabor local à festa universal e aos produtos consagrados como os bombons, queijos e nozes.
Muito bem. A todos que têm acompanhado o Jornal do Sertão, um Feliz Natal e um ano novo próspero. Dele se falará na próxima coluna.
1Professor Titular da UFRPE-UAST
Serra Talhada, 21 de dezembro de 2022